O JARDIM DAS ONZE-HORAS (À VERA, MINHA PRIMA DE LONGE),
Autor: João Maria Ludugero
Momentos há na vida que a gente nunca esquece,
Mormente aqueles bem guardados no interior.
Recordo-me do sítio de seu Zé Canindé,
Onde ele tinha uma casinha caiada
De portas e janelas azuis,
Um jardim de girassóis a onze-horas,
Um curral e uma casa de farinha de mandioca.
Parece besteira lembrar dessas rusticidades.
Podendo até, para alguns, isso soar piegas,
Mas ainda guardo comigo o privilégio
De tê-las vivido, e ora poder ter o prazer
De acentuá-las ao escrevinhar esta poesia
Assim tão repleta dessas coisas simples
E suas pobrezinhas essenciais
A recender os aromas da terra
Junto ao canto do curió nos galhos em flor.
Assim, saudoso, reinvento meus passos,
Sob o escaldante sol da minha Várzea,
Como quem evapora de mansinho seus longes
Junto aos cheiros da casa-de-farinha
Pelos confins da estradinha de chão,
Que só era cortada pelo rio Salgado,
Riacho de águas tão mornas,
Cheinho de piabas e jacundás.
E lá íamos eu e minha avó Dalila
Que me levava à travessia do rio,
Muitas vezes montado em pêlo no lombo de um jegue.
E, como num toque de mágica, num piscar de olhos,
Aparecia um magote de moleques.
E o banho de costume logo se transformava numa festa,
Onde a gente lavava a alma, digo a potra. Arre égua!
E era assim sempre que buscávamos os bisacos de farinha
De mandioca, beijus, tapiocas e batata-doce.
E, de tal sorte, toda vez que escuto esses cheiros e ruídos,
Eu me ajeito num cantinho a ruminar, e matuto, sim,
Me apanho a escrever sem me 'pre-ocupar' com as rimas.
Sinto-me tal qual aquele menino travesso de outrora,
Empolgado que só vendo, a contemplar o jeito de mato
Da minha acanhada prima Vera, afilhada
do velho Zé Canindé (Cá pra nós,
mas lá todo mundo era primo da gente,
Alegava meu pai, mesmo que não houvesse laços.
E ficava por isso o vínculo, o parentesco,
mesmo sem nunca ter sido).
E agora, confesso aqui com todas as possíveis letras,
Que me sinto o mais rico dos homens,
Porque ainda posso escutar o curió
E outros passarinhos a cantar e, até me atrevo,
A sentir, e sinto, um exalar de manjeronas e alecrim,
Ao colocar um pé naquele tempo fantástico,
Ainda encantado a tocar minha mão buliçosa
No corpo daquela moça de sorriso maroto,
Que me enlevava na colheita dos ovos.
E como era bom brincar com as galinhas!
Ora, ora, não há como dizer com palavras
Como havia doçura no semblante daquela donzela.
Como eu queria seus braços, seu jeito, sua boca.
Como não posso voltar ao passado, insisto,
Em deixar a saudade falar nos meus versos. E ponto.
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