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sábado, 30 de abril de 2011

REVERDECER SOB TEUS OLHOS AZUIS


Há dias em que o vento
Dedilha cordas de chuva
E uma cantiga escorre do céu
Do fio d'água ao trovão.
Há dias em que meus olhos castanhos
Furtam-se em  diversas cores
Do azul ao verde esmeralda
Dependendo da ânsia do teu beijo.
Até ficam celestes quando tocam o azul
No cio da dança do pássaro que traz a chuva
Dando cabo ao estio,
Reverdecendo meu coração agreste.  
És como a ave que me excita
Que me carrega ao teu lábio carmim.
Eu estou pro teu bico
Quando induzido a pousar de mansinho
Junto ao fio do poste da rua, de certo  
A me provocar o choque, a alta tensão em escala
Quando escorregas nos meus braços
Quando me levas do inferno
Ao encarnado gozo de paraíso.
No emaranhado de tua trança,
Desço do céu num feixe de luz
Sob os teus olhos verdes
Em sóis que me trazem
Flautando um assovio
Ou num toque de cítaras

De anjos invisíveis
Que me deitam solene
No teu colo e seio
Onde hei de enlouquecer,
Careço disso, quero e ouso!

GRÃ-MESTRA VIDA EM FLOR

A flor me colheu
Me entortou a face
Deu-me um beijo
A bem-me-querer.
Girou meu rosto ao sol
Na pureza de sua claridade.
A flor abriu-se grã-mestra, 
Extremamente bonita
Pra tirar do acervo
Sua eterna fantasia-girassol
E vivê-la num único instante,
A apreender  meus olhos exultantes
E assim mantê-los na verdade
Ao se rasgar em pétalas, cor e cheiros,
Exaurindo-se em perfumes ao morrer.
É assim que ela contém a beleza em flor.
É assim minha flor vestida
Em amarela borboleta!
Obrigado, meu amor, quanta poesia
Posso ler nestas pétalas efêmeras!
Quando até de costas
Posso ver exposta tua verdade,
Claramente sem embargos,
Como aquela flor
Que permanece no altar-mor 
Da inspiração que fica alumiada
Eternamente estranha e bela,
Até à luz de velas.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

QUANDO MEUS PÉS DE MOLEQUE MALUCO ME CHAMAM A GANHAR O MUNDO


Cândido Portinari/1958
 Certa feita me peguei falando sozinho
Pensando em voz alta - só eu comigo.
Acho até que já atingi intensos decibéis 
Gritando aos meus olhos no espelho,
Estirando a língua pra mim mesmo.
E a barba rala, esta deixo às vezes crescer um pouco
Para assustar o convencional marasmo de plantão
Dos arrebitados mauricinhos bundas de bebê. 
Me belisco inteiro, adoro me tocar, me bulir
Deixando eles acharem, por achar, que sou louco, 
Que sou bobo a ponto de se gabarem
Ao afiar a língua bifurcada. 
E daí, o que importa a esses imbecis
Se a boca é minha e com ela posso ver mais além?
Arremedo meus ecos, canto
E afugento os males que abundam, 
Afastando os calos das cordas vocais.
A quem interessa o que faço dos punhos,
Se trago as mãos calejadas e o nariz em riste?  
Invoco-me a falar-só, soletro-me
Ao fazer a cabeça girar em versos.
Viro o mundo do avesso, bem-me-quero, 
De ponta a cabeça, ascendo-me.
Fico semitonto, sim, confesso ao ganhar o mundo.
Mas aceso, tonto de elementar alegria
Isto sim, ao vestir a camisa da poesia.
Daí viajo por longes desconhecidos,
Cheio de gostos manjados e caras novas.
Dou a volta ao mundo inteiro, me renovo
Assim feito um louco varrido e meio.
Se for o caso, uso de detergente.
Nem sempre me atrevo a tanto,
Mas como há sempre gente cínica
Solta por aí mundo afora, não custa
Usar vez por outra um saponáceo.
Cuido logo de não desistir da rota,
Desato o maluco moleque que há em mim,
Passo sebo nas canelas, e zás! percorro o mundo.
E não me cansa ver a beleza que há no mundo todo.
Mormente, quando resolvo escrever poesia,
Quiçá no intuito de unir versos, me enfrentar
Aprendendo a gostar de ser louco assim mesmo.
Passei mais a gostar de ri das minhas coisas, 
Das velhas e novas demências
A reparar nas que assolam dia-após-dia,
Batendo na porta da gente,
Seguindo de porta em porta.
E eu, junto com elas, sinto-me estranho e belo.
Sem querer entrar, só de pirraça,
Atirando pedras nas luas,
Só pra quebrar o tédio
Ou à própria vidraça embaçada.
Sorrrindo à toa, prevaleço 
Dando forma às loas e rimas, 
Amando ímpar, sem me preocupar
Com as rugas do rosto disposto ao riso.
Caminho manso e descabeladamente,  
Pela rua a vagar, sem pressa.
Divago, sim, mas de felicidade,
Até quando cheiro uma única rosa
Sem me importar com o jardim inteiro!

quarta-feira, 27 de abril de 2011

TRAVESSIA, TRAVESSEIROS E PENAS DE POESIA

Ao me deitar
Eu fecho a luz,
Não me apago de vez.
Tenho o sono dum homem
Em perfeito estado de consciência.
Canto pra me ninar.
Respiro bons ares.
Os lençóis brancos
Me convidam a voar,
Voar com os carneirinhos
Das nuvens de algodão.
Eu fecho os olhos,
Eu conto estrelas, luas
Num céu de imaginação.
Eu conto estórias
Pra boi dormir,
Dou nome às vacas,
Às sagradas e às profanas,
Que me seduzem a voar,
Loucas para me fazer saltar 
Do parapeito da ponte
Aos trancosos fantasmas,
Da torre do calafrio
À pira acesa do fogo-fátuo,
Do alvorecer boreal
À liberdade de um sonhar bacana,
O que mais me atiça eufórico
A sonhar alto e plainar
Por entre as flores
E os espinhos, de certo
A fazer a guerra dos meninos.
E aí jorram sonhos em cascatas
De versos travessos
Que me acordam cedo
Pra lida. Eu escrevinho.
Rabisco os rascunhos
Do que será passado a limpo.
Eu sei que posso escolher
De passar a noite em claro,
Ferrar o sono
Ou curtir plumas, painas
Ou as penas da insônia
Em brancas nuvens de algodão.
Eu prefiro ficar com doces sonhos
Edificados no pensamento.
Vou ao encontro dos verbos,
Viajo por lugares desconhecidos,
Revolvo amores, rostos próximos.
Repasseio por outros jardins, replanto ramas
Semeio outros feijões, lavro interiores
Nem menos nem mais turbados,
Teço versos despertadores
Na cama da poesia,
Onde bem repouso minha cabeça.
Que alívio é atravessar o caos 
Num mágico e belo travesseiro,
A passos largos incansáveis.
De um adormecido ruminar de ideias
Nasce o engenho das palavras soltas,
Unidas a colher versos, de frente.
Resta ao poeta senti-las, medi-las
E até sopesá-las no sono.
Perto eu sei não vou, viajo longe
Num voo fora do corpo,
Estou nas alturas no ar, acordado
Sem carecer de nenhuma morte,
Sem nenhum regulador sonífero ou anfetamina,
Sem roncos nem remediados pesadelos.
Sei que adentro no alto, vou e volto,
Que estou seguro acima do leito,
Observando meu corpo dormente.
Ali parado, desnudo, mas
Quase todo escondido, de fora,
Envolto nas penas de ganso,
Meu corpo a dormir o sono dos justos,
Sob a vigília da própria alma latente, em paz.
Alma que se sente justa, inquieta,
Mas de bem com os deuses da vida.
Até amanhã, bons dias!

terça-feira, 26 de abril de 2011

PANACEIA

 Eu careço urgente de um fruto
Sem a pecha de proibido,
Que me encete a arder
A alma antes do estanque,
Que não me extinga a sede
Em promessas mirabolantes,
Que não me faça estátua de sal
Ao olhar para trás,
De súbito, 
Que não somente 
A pena me adocique, 
Que não me cure só pra ser
Mais um simples mortal.
Laico ou lascivo, eu preciso me pintar
Ao pintar o sete no arco da tua íris, de certo
Abortar nossoutros medos reticentes, 
Deixar o diabo de quatro pasmado
A se perder num raio que o parta ao meio, 
Fazer o danado sentir-se insignificante,
Encurralado ao ponto de se sentar
Contorcendo-se em cima do próprio rabo.
Mas nem por isso, vou deixar de degustar a maçã,
Vou esculachar a serpente, de vez,
Apertar suas presas num cadinho,
Instilá-la a  provar do próprio veneno,
Macerando toda essa ideia de pecados.
Comê-los sem culpa, assim e assado,
Com temperança, afastar os ranços.
Rasgar o verbo e a escrita,
Oito ou oitocentas vezes, se for preciso.
Virar o mundo de ponta à cabeça
Só pra provar de todos as delícias,
Sem juras nem dietas, de modo
A transitar entre opostos, a gosto
Mesmo que ao fim do juízo diverso 
Venha o apelo à sentença imposta.
Quero me permitir agora-já, sem frescuras,
Ser lúcido, louco, ávido, sem placebos,
Até que a vida me detenha impávido.
Justo eu que há tempos não me embriago,
Aqui botei pra rasgar na dose, sem chicoteamentos,  
Me escancarei a entornar conscientes licores,  
A me embriagar em tragos de Poesia.
Poesia que me faz esquecer
De morrer tão cedo,
Que não me deixa à mercê
De nenhum cianureto,
Muito menos dos frascos de estricnina
Que a tal moça suicida largou lá em casa.
Se é pra viver,
Que me venham os cabelos brancos
Deixa eu morrer de velho!
De preferência a me lambuzar inteiro,
Sem neuras, antídotos ou papas na língua, 
Quero ser arauto verbal dessa força
Que jorra aos quatro cântaros e não se prostra
Ao arranhar o céu da tua boca nunca insossa,
Quando esplêndido me deleito
Na panaceia do teu colo,
Apreciando o fruto
Não proibido do jenipapo.
Eu completamente embriagado,
Mas de Poesia,
Por todos os lados.

domingo, 24 de abril de 2011

OCEANIZADO

O amor brigou comigo.
Rasguei as cartas do amor
Cerquei o coração
Por todos os lados.
Fiquei de mal a pior.
E pronto, ilhei meu sentimento.
Disse adeus às marés do amor.
Jurei não mais falar disso.
Mandei o amor à punta que o pariu!

Cansados dos meus lamentos,
Das aporrinhações da fossa,
Muy amigos me deram de presente
Uma passagem para ver o mar.
De repente, lá estava eu
Com os olhos marejados

A beber o azul
Mergulhado na beleza do mar,
A me encher de maresia e céu,
A tocar as estrelas,
Atirá-las ao mar,
Ir junto com elas,
Morar nos corais
Junto aos ouriços
E às águas-vivas.
Lá estava eu amordaçado,

Cheio de tédio na arrebentação,
Querendo me afogar no azul-marinho.
Peguei uma onda. Ela me apanhou,
Alto me levou ao mar aberto.
Mar adentro me achei
Por um mundo desconhecido
No mar imenso, fui bem ao fundo
Senti-me imerso num vazio
Sem tamanho, abissal.
Daí, não pensei duas vezes,
Decidi deixar o amor entrar
De novo, invadir meu peito.
E quando dei por mim,
Já havia dispensado 

As garrafas de náufrago,
Esquecido da ideia de me afogar,
Mesmo estando em mares
Nunca dantes navegados.
Escutei meu coração,
Resolvi recomeçar.
Meti o braço a remar,
Aprendi a nadar na marra.
Oceanizado, enfrentei meus medos,
Dobrei o cabo das tormentas.
Apesar de toda água que engoli,
O amor me fez repiração boca a boca,
Sobrevivi, e aqui estou eu,
Na crista da onda, de novo
Dizendo sim ao amor, à beira-mar.

sábado, 23 de abril de 2011

ARRIBAÇÃO

 
"Albrecht Dürer"

 ARRIBAÇÃO
Autor: João Maria Ludugero

Eu ainda acredito nesse soar
Nesse sopro e percussão,
Na força que bate em meu peito
De menino que não arreda o pé
Do vão da estrada do sol
No voo do moleque na lida, 
Que arriba meus pés do chão,
Que tamborila minha vida,
Que fanfarra meus passos a zoar, 
Executando marchas e dobrados
Que enraízam destino e sina
Ao fazer paragens na Várzea,
Tornando-me parte da árvore,
Tal qual passarinho no seio dela,
Fazendo-me precisar da seiva da terra.
Minha terra, meu cais 
Do porto (ou do parto?)
Meu credo, gozo e devoção,
Ninho que ampara e abriga, 
Milagrosamente me acolhe, 
Apesar dos pesares dos fardos
Da cruz que nos atravessa o corpo.
Sobrevivente,  ora apanho

Meu coração recauchutado
Levando-o ao alta-mor,
A um passo da promessa
Do porvir do milagre
Que em mim já carrego, 
Sem almejar canonização,
Mas fomentar essa passagem,
Fazendo girar o mundo,
De um lado para o outro,
Num ciclo de arribação
Que ainda não me expira,
Que ainda me anima à utopia
Que não me fada ao fracasso,
Que não me arrola à extinção,
Porque asas de um anjo me fazem girar 
À margem, de lado e de banda, frente e verso
Num arranjado conjunto 
Que alinha o sol, a pomba e o sonho,
Que me ajudam a tecer esta poesia.

sexta-feira, 22 de abril de 2011

O JARDIM DAS ONZE-HORAS (À VERA, MINHA PRIMA DE LONGE)

Momentos há na vida que a gente nunca esquece,
Mormente aqueles bem guardados no interior.
Recordo-me do sítio de seu Zé Canindé,
Onde ele tinha uma casinha caiada
De portas e janelas azuis,
Um jardim de girassóis a onze-horas,
Um curral e uma casa de farinha de mandioca.
Parece besteira lembrar dessas rusticidades.
Podendo até, para alguns, isso soar piegas,
Mas ainda guardo comigo o privilégio
De tê-las vivido, e ora poder ter o prazer
De acentuá-las ao escrevinhar esta poesia
Assim tão repleta dessas coisas simples 
E suas pobrezinhas essenciais
A recender os aromas da terra
Junto ao canto do curió nos galhos em flor.
Assim, saudoso, reinvento meus passos,
Sob o escaldante sol da minha Várzea, 
Como quem evapora de mansinho seus longes
Junto aos cheiros da casa-de-farinha
Pelos confins da estradinha de chão,
Que só era cortada pelo rio Salgado,
Riacho de águas tão mornas,
Cheinho de piabas e jacundás.
E lá íamos eu e minha avó Dalila
Que me levava à travessia do rio,
Muitas vezes montado em pêlo no lombo de um jegue.
E, como num toque de mágica, num piscar de olhos,
Aparecia um magote de moleques.
E o banho de costume logo se transformava numa festa,
Onde a gente lavava a alma, digo a potra. Arre égua!
E era assim sempre que buscávamos os bisacos de farinha
De mandioca, beijus, tapiocas e batata-doce.
E, de tal sorte, toda vez que escuto esses cheiros e ruídos,
Eu me ajeito num cantinho a ruminar, e matuto, sim,
Me apanho a escrever sem me 'pre-ocupar' com as rimas.
Sinto-me tal qual aquele menino travesso de outrora, 
Empolgado que só vendo, a contemplar o jeito de mato
Da minha acanhada prima Vera, afilhada do velho Zé Canindé (Cá pra nós, mas lá todo mundo era primo da gente,
Alegava meu pai, mesmo que não houvesse laços. E ficava por isso o vínculo, o parentesco, mesmo sem nunca ter sido). 
E agora, confesso aqui com todas as possíveis letras,  
Que me sinto o mais rico dos homens,
Porque ainda posso escutar o curió
E outros passarinhos a cantar e, até me atrevo, 
A sentir, e sinto, um exalar de manjeronas e alecrim,
Ao colocar um pé naquele tempo fantástico,
Ainda encantado a tocar minha mão buliçosa
No corpo daquela moça de sorriso maroto,
Que me enlevava na colheita dos ovos.
E como era bom brincar com as galinhas!
Ora, ora, não há como dizer com palavras
Como havia doçura no semblante daquela donzela.
Como eu queria seus braços, seu jeito, sua boca.
Como não posso voltar ao passado, insisto,  
Em deixar a saudade falar nos meus versos. E ponto.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

A FOLHA QUE CAIU NO MEU POEMA










O vento embalança a árvore
A folha cai serenamente,
Pálida, ocre, cinza
Desclorofilada,
Cansada de cobrir-se
De verdura, esvoaça.
Ora carente de seiva, seca,
Cheia de perfume maduro,
Cheia de essência, vaporosa,
Cheia de viver enverdecida.
Perdeu o elo, amarelou-se.
Nua caiu por terra, resignada,
Virou detrito, alimento de minhoca.
Úmida ficou, voltou ao barro.
Na forma de húmus transmudou-se,
Só pra fazer nascer outra plantinha
Cheia de luz, fotossíntese, 
Cheia de sol nas folhas lustrosas.
Só pra recomeçar o ciclo
Só pra mudar a estação,
Depois da chuva cair
Cheia de azul,
Cheia de céu.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

NUM PAU-DE-SEBO ESCORREGA MUITA GENTE

Na frente da igreja-matriz
De São Pedro apóstolo
Lá na minha Várzea
Foi montado um pau-de-sebo.
Lá está ele possante, majestoso, 
Liso a brilhar sob o sol radiante.
Quase todo mundo, solteiro, casado,
Amasiado, amigado, mancebado
Quer nele trepar, provar fôlego,
Não só pra ter mão da grana, do prêmio
Chamariz afixado bem lá nas alturas,
Mas pra chegar, se mostrar valente
Bem no topo do pau ensebado.
Até Maria Pereira está afoita em participar,
Mas cheia de pudores, acanhada que só vendo,
Tem vergonha de não dar conta do recado
E escorregar a meio pau. Que vexame!
Seria muita pagação de mico,
Depois virar motivo de chacota,
Ficar falada às quatro bocas da rua grande
Ou ganhar o apelido de Maria mole,
Por não ter conseguido seu intento.
Sem contar que nunca nenhuma mulher
Se sujeitou sequer tentar a subida em público
No lustroso pau-de-sebo da quermesse.
Ela seria a primeira dama à altura do pau.
Maria matutou, matutou. E não mais titubeou.
Justo ela  que sempre foi pau pra toda obra.
Se inscreveu, entrou na fila
Pra encarar o engraxado pau da hora.
Maria é doida varrida, não é boa da bola.
Vai cair de boca no sebo, ficar toda molhada
De suor, escorrer no pau, se esborrachar toda no chão.
Vozes estridentes gritam, em uníssono: 
Sai daí, Maria-homem, sua louca,
Vai procurar uma lavagem de roupa
Ou raspar uma quenga de cocada,
Ou rezar a ladainha lá com as outras.
Não vês que isso é obra de macho?
Maria faz vista grossa e ouvidos moucos
E vai à luta, fazendo de conta que não é com ela.
Marmanjo nenhum, mesmo polvilhado de talco
E quilos de araruta, consegue passar do meio mastro
(Ser bom de bolas não é tudo).
E chega a vez da Maria, que não foi com as outras.
Ela, esperta, logo se lembra de que há muito tinha a manha
De trepar em pé de pau (aprendeu cedo na lida
Quando apanhava frutas no quintal).
E que, para viabilizar a subida, não usava peias
Nem aqueloutros apetrechos pra subir em pés de coco.
Ela usava sim o visgo da jaca. Acredite, não estou inventando. 
E subia embalada até nos mais lodosos lenhos.
Não deu outra, caladinha assim procedeu.
Subiu o madeiro numa única levada. Virgem santa!
Maria não brecou, num jogo de corpo e tronco
Galgou seu medo de escapulir. Na marra,
Segurou o pau com toda força, destemida, a pique
Agarrou-se na estaca e... Venceu. Mais pau que fosse!
Mesmo incrédulo, o povo ridente aplaudiu à beça,
Quando ela feliz atingiu o seu cume, chorando de alegria
Pela vitória que calou a boca de muita gente,
Que só sabe covardemente meter o pau, gastar saliva,
Feito lesma a se arrastar pelos muros alheios, e morrer seca,
Que já nasce fadada ao fracasso e morre na beira.
Valeu, Maria! O mérito é todo seu. Soubeste mostrar
Que nem todo pau-de-sebo é coisa de cabra macho.
Que venham outros paus, outros sebos, outros páreos.
Tudo pode virar toquinho nas mãos dessa mulher.
Maria Pereira da Silva não está nem aí pro menoscabo
Nem pro seu mais novo sobrenome, nova alcunha. 
Até se orgulha do codinome:
Maria Machadão!