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sábado, 29 de setembro de 2012

SÓ PRA DESOPILAR


Pelo avesso,
Eu trago um pouco de nós
Desatados, sem cortes 
Um pouco de tudo 
Que somos 
E do laço que perdemos 
Pelos vãos dos dedos, 
Pelos nãos dos medos, 
Pelas mãos dos ledos, 
Pelos sãos dos credos; 
Pelos tantos arremedos 
Pelas línguas estiradas 
Dos dias de tédio, 
Pelas bulas prescritas 
Pelos rótulos sem remédio 
Pelos unguentos em placebos 
Pelos pelos das ventas, 
Pelas tranças no cabelo 
Pelos poros, pelos suores 
Pelos goles tragados a seco 
Na esquálida esperança 
Das garrafas vazias nos cantos. 
Porque ainda tenho pés 
De moleque medonho 
Ainda não enferrujei as rotas 
Nem as rótulas dos joelhos arteiros, 
Ainda pretendo ir ao encontro do tempo, 
Ainda tenho um braço destemido, 
Ainda arregaço contente  
As praças, as taças e os brinquedos. 
Tenho cartas explícitas nas mangas, 
Não careço de camisas-de-força 
Nem quando tentado ir a Vênus. 
Mas, se me dou ao uso de coletes à prova de balas, 
Prefiro os de hortelã ou de anis-estrelado. 
Eu sou arauto de palavras benditas 
Que desopilam corações partidos.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

AS MAIS BONITAS MARIAS


Minha Várzea é pequenina
Fica ali sob o Vapor
No Vale do rio Joca
São Pedro no topo está
No Comando das chaves
Que protegem esse lugar
Vige, Maria, como tem Maria 
A viver nesse lugar abençoado
Maria destemida feito varzeana
Daquela que desde cedo
Faz o cultivo do chão
E a Maria semeadora
Que ajuda na plantação
Tem Maria lá no encontro da praça
Que é a tal sonhadora
Cheia de esperança e graça,
Tem Maria que cedinho
Limpa a rua com a vassoura
Tem aquela que ensina,
A Maria professora,
A Maria trabalhadeira
Rodeia feito pião
Tem a Maria de fé
Transforma a farinha em pão
E a Maria morena bendita
Com corpo de violão,
De nascença é tão bonita
Tão modesta e tão rica
Que até vestida de chita
Não se furta às cores, rouba a cena, 
Sabe ser bela na fita!

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

HOSPÍCIO


Nem precisou 
De camisa-de-força,
Fui levado a nenhum hospício
Acho-me louco e viciado
Louco de amor pela vida
Desses de ir à lua 
Num piscar de olhos,
Enfrentar meus dragões
Doido de atirar pedras 
No espelho d'água do açude 
Só pra ver os espirais a circular 
Sou doidinho e viciado 
Nas pessoas que amo.
Graças a Deus,
Não sou normal
Nem careço de bulas
Nem placebos
Nem remédio
Agora é tarde pra ceder, 
Não tem remendo pro vestido
Só me resta aguardar e seguir,
Arremessar meus tédios, de cabeça,
Esperar que o mundo gire, revire,
Que tudo mude ou desabe 
Ou que eu exploda antes do fim do mundo 
Não quero ser poupado antes que tudo acabe 
Tudo indo na leva da enxurrada
Ou nas lavas do vulcão...
Ora sei que sou levado a ser eu.

QUE ÍCARO QUE NADA!


Ainda me resta a palavra que ecoa
da tua boca de seda em carmim
que me deixa lúcido 
que tanto me envenena 
que me acende o olhar 
a voar mais longe,
bem dentro do céu 
que me comporta
ao me achar e me perder 
na tua boca.
Dobro os joelhos consentido,
escavo, escrevo versos afoitos
deixo-me escorrer ao teu umbigo,
encolho os ombros a te servir
deito meus olhos, pra todo dia 
poder olhar o mundo e ver, 
por Santa Luzia,
rezo, faço da poesia um canto 
alegre esvoaçar de pássaros
atravessando a aridez do agreste. 
Quero mais sim,
hoje careço redobrar as asas, 
ser mais que um Ícaro, derreter a cera, 
sem medo de perder o juízo, apenas
ir rumo ao sol, girar bem alto e dentro...
Mas, se chegar a cair,  
prometo a mim mesmo, sem penas, 
estou pronto pra colar meus cacos.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

O DEDO DE DEUS. por João Maria Ludugero


Eu gosto de cheiro de mato,
De ver de perto o mato crescer;
Faz um bem danado escutar 
Essa coisa solta tão natural
De se deixar levar pelo vento;
Sentir a brisa tocar os pelos
Da venta, passar a mão  
Em volta das barbas de Deus, 
Inspirar-se 
Na ideia de dançar
Com Deus, na paisagem
Sentir essa força ventilar
Reinventando-se cria, de passagem
Cria aturando-se paciente
Na impermanência do ser 
Molde de Deus, 
Desenhado
E assinado 
Com as digitais dele.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

A PARTIR DO EU


Minha cabeça acesa
Me amarra em liberdade
Desato-me os nós 
Solto pelo mundo,
Nada tenho a esconder 
Ensimesmado adentro
Muito ainda miragem no oásis
Por não saber me exteriorizar,
Mas já que estou no labirinto
Não deserto da raia, adiro,
Passo a correr afoito, cedo-me
De todos os lados atento 
Do centro à margem,
Apenas me acho à beira 
De dentro pra fora
Do umbigo do mundo, 
No que há
Para além
Do que há
Da porta à soleira:
A caça do oculto me leva
Das claras à gema, 
Fundura em superfície,
O mistério do amor longe
Sem segredos se achega
Perto de todas as coisas,
Ao alcance dos dedos ao fio
Da meada da mão de Deus 
Que me livra da mira dos medos!

terça-feira, 11 de setembro de 2012

ADMIRÁVEL EMBOCADURA, por João Maria Ludugero


ADMIRÁVEL EMBOCADURA
(Poema dedicado à amiga Kiro Menezes).

Pelo vão, sou riacho
a receber tuas águas...
afluentas-me cauadalosa,
atravesso pedras e limos
-Mas onde tem vau neste rio,
para que eu possa atravessar?
passo a vau, vou fundo
sou rio a desaguar no teu mar,
num mar de emoções incontidas.
Vou juntando teus azuis, teus verdes
que dançam aos olhos de Deus
no solene baile que ele nos permite sonhar
sobre os sentidos acordados.
Tudo passa em verdade no cenário
rabiscado pelo sol que nos horizonta,
trançando teu cabelo ao vento...
E o vento uiva a te enamorar
ao longo do caminho, atrevido.
O vento penteia teu cabelo
e emaranha tuas tranças,
uma a uma, feitas na fita,
enquanto o mundo ofuscado 
gira em cena, pouco a pouco, no palco
e silencia sob os acordes
da tua incessante beleza.

domingo, 9 de setembro de 2012

POR SER DE LÁ DA VÁRZEA



Por ser de lá
Carrego nas asas do vapor 
Minha saudade que arde toda tarde
No emaranhado da minha sede de escrever,
Confiando ao peito minha vontade de viver,
Que corre o espaço profundo a pelejar a sorte,
Colhendo o dia na força do braço,
Sob o chuá da lajinha ao lajedo do gado
A pastar por riachos do mel  
Em sítios do maracujá aos seixos
Dando forma ao meu desejo de lá viver
Minha paixão maracujá,
Por umbus, trapiá, itapacurá a dentro
Percorro o leito salgado do rio Joca e não esmoreço,
Renasço assim feito capim grosso, 
Sou majestoso juazeiro  
No meio do agreste de verde sonhar, 
Onde aprendi a trabalhar a quimera,
Acordar ação em hora certeira, 
Antes do sol bater na cumeeira, a pino, 
Entendo a magia e os limites do tempo.
Meu poema é semente de horizonte:
Pede empreitada de sonhos,
Plantio, trabalho, esperança nova.
Sou varzeano e acredito na lida, 
Tenho sede e escavo fundo minhas cacimbas
Que acabam vertendo poesia na veia,
Que mina, que brota dos meus olhos d'água.

domingo, 2 de setembro de 2012

CAPIM, por João Maria Ludugero

Fiz meu roçado 
Lá no Vapor de Zuquinha
Fiz a poda, levantei leirões com afinco
Sob o sol a pino
Desses de esturricar a moleira.
Plantei milho, feijão 
E mandioca pra farinha
Deu capim,  que não foi plantado
Nem tratado, mas nasceu ali.
E cresceu com tanta força,
Apesar da coivara de antes
Que tanto maltrata a terra, 
Apesar da pujança da queimada
Com línguas de fogo, labareda,
Bastou a primeira chuva propícia
A molhar a Várzea do rio Joca,
Para o capim reviver.
Capim é feito a esperança do povo
Mesmo que arda sob as chamas,
Quando parece desaparecer, 
Ela não tarda a renascer, 
Brota das cinzas!