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domingo, 29 de maio de 2011

PANACEIA

EU CAREÇO URGENTE DE UM FRUTO SEM A PECHA DE PROIBIDO  (Sem  neuras,  antídotos  ou  papas  na  língua)
Autor: João Ludugero
(Ilustração: Jardim das Delícias - Bosch)

 Eu careço urgente de um fruto
Sem a pecha de proibido,
Que me encete a arder
A alma antes do estanque,
Que não me extinga a sede
Em promessas mirabolantes,
Que não me faça estátua de sal
Ao olhar para trás,
De súbito,
Que não somente
A pena me adocique, 
Que não me cure só pra ser
Mais um simples mortal.
Laico ou lascivo, eu preciso me pintar
Ao pintar o sete no arco da tua íris, de certo
Abortar nossoutros medos reticentes, 
Deixar o diabo de quatro pasmado
A se perder num raio que o parta ao meio,
Fazer o danado sentir-se insignificante,
Encurralado ao ponto de se sentar
Contorcendo-se em cima do próprio rabo.
Mas nem por isso, vou deixar 

De degustar a maçã,
Vou esculachar a serpente, de vez,
Apertar suas presas num cadinho,
Instilá-la a  provar do próprio veneno,
Macerando toda essa ideia de pecados.

 Comê-los sem culpa, assim e assado,
Com temperança, afastar os ranços.
Rasgar o verbo e a escrita,

 Oito ou oitocentas vezes, se for preciso.
Virar o mundo de ponta à cabeça
Só pra provar de todos as delícias, 
Sem juras nem dietas, de modo
A transitar entre opostos, a gosto
Mesmo que ao fim do juízo diverso
Venha o apelo à sentença imposta.
Quero me permitir agora-já, sem frescuras,
Ser lúcido, louco, ávido, sem placebos,
Até que a vida me detenha impávido.
Justo eu que há tempos não me embriago,
Aqui botei pra rasgar na dose, 
Sem chicoteamentos,  
Me escancarei a entornar 
Conscientes licores,  
A me embriagar em tragos de Poesia.
Poesia que me faz esquecer
De morrer tão cedo,
Que não me deixa à mercê
De nenhum cianureto,
Muito menos dos frascos de estricnina
Que a tal moça suicida largou lá em casa.
Se é pra viver,
Que me venham os cabelos brancos
Deixa eu morrer de velho!
De preferência a me lambuzar inteiro,
Sem neuras, antídotos ou papas na língua,
Quero ser arauto verbal dessa força
Que jorra aos quatro cântaros 

E não se prostra
Ao arranhar o céu da tua 
Boca nunca insossa,
Quando esplêndido me deleito
Na panaceia do teu colo,
Apreciando o fruto
Não proibido do jenipapo.
Eu completamente embriagado,
Mas de Poesia,
Por todos os lados.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

A CURIOSA HISTÓRIA DE JOÃO E MARIA DO BARRO

Quer saber quem sou eu, 
Ora, pois me apresento, sem galhos.
Eu me chamo curió. 
Sou um pássaro cantador
Aprendi a cantar desde filhote
Só de escutar o assobio do meu pai,
Que tinha um canto mais que perfeito.
Meu velho sempre me dizia:
Filho, serás um excelente cantor ou um imitador!
Só tu poderás escolher entre preservar
A pureza nata de tuas notas musicais ou
 Facilmente aprenderes a copiar
O canto de pássaros fora da tua laia.
Poderás aprender depois de velho,
Se fores cabeça-mole, ou seja,
Um curió que vai com os outros,
Que ao escutar um canto diferente do seu, troca de canto.
Eu preservo minha estirpe, logro mais êxitos,

Apesar de criado solto na vida,
No meio do mato verde perto dos currais da Várzea.
Foi naquelas redondezas que conheci 

Meu compadre João-de-barro, pássaro trabalhador.
Desculpe-me, mas fui autorizado a abrir o bico e lhes contar
Essa que não é mais uma mera história de passarinho.
É baseada em fatos reais. Acredite.
Eu, curioso que sou, fui testemunha ocular
Dessa historinha que passo a desfiar.
Meu amigo João, arquiteto do barro,
Com esmero montava seu ninho, sua casa.
Em postura altiva, metia a mão na massa, com garra
Construindo sua morada
No tronco de um mulungu em flor,
Ajudado de perto pela sua amada Maria-do-barro,
Fêmea habilidosa nos amassos
E na oleira empreitada.
Cúmplices, eles viviam de amores
Aos arredores do ninho,
Tremulando as asas, passavam os dias
A cantar estridente em curioso dueto,
Enquanto carregavam barro.
Pareciam satisfeitos. Tudo às mil maravilhas.
De tão parceiros, parecia que ali reinava a felicidade.
Mas a vida dos outros é a vida dos outros.
E a grama do bem-te-vizinho é sempre mais verde.

Até que um dia... chegou o infortúnio!
Nas idas e vindas da barranceira do rio,
Maria, faceira, deu trela ao curió Bicudo,
Meu primo de longe, que aprendeu a cantarolar
Imitando a vistosa 'passarinha' alheia.
E ela semitonta, assanhou-se toda,
Arriando as asas num segundo encontro.  
Afoita entregou-se ao estranho,
De lado, debanda sob às artimanhas cruzadas  
Daqueloutro bico, ao ser decantada, admirada, possuída.
Foi ofuscada pelo laço passarinheiro

Daquele forasteiro que lhe prometera
Castelos, mundo e fundos, eira e beira.
Inclusive, dominada, logo despejou João

Do seu ninho ainda em construção. João perdeu tudo.
Tudo o que conquistara a duras penas.
Desiludido, maior abandonado, ele se tocou.
Abriu mão de sua pretendida, não mais valia a pena!
Ela era muito inconstante, arrastava a asa
Pra qualquer bicudo que aparecesse jurando amores.
Enquanto João se mantinha fiel,
Até que acontecesse um próximo enrabicho.
Mas, entre mortos e feridos, cansou de chorar
As pedrinhas da moela. O tempo tritura quase tudo.
E João, artesão do barro, sábio detentor de amor próprio,
Não fechou o bico à obra. Decidiu levantar nova morada.
E, só depois, é que partiu
Para achar sua outra nova costela.
E, de bolas em rebolos, levou o barro pra frente,
Deu forma a novo empreendimento,
Dividindo-o em dois compartimentos,
Com a porta de acesso ao seu interior
Voltada p'ro norte, à prova de chuva e vento,
Onde ele agora adentra sem ter de abaixar a cabeça,

Acompanhado de esposa e filhotes, ora sobrevoa por cima.
Mas já argamassou muita poeira, lama e até esterco
Só pra fazer barro na lida.
Ah, da ex-Joaninha-do-barro,
Digo Maria, nunca mais se soube.
Minto. Conta-se que foi vista, sim,

Detida pela sorte a fazer fita, alquebrada,
Num rodízio, jogada num canto, de bico calado,
Sem casa nem comida, de olhar perdido,
Quiçá num longe horizonte demolido,
De fogo apagado, curiosamente penalizada,
Com o pires na mão a chorar as minhocas perdidas
E a pigorar os insetos de troncos de árvores,
E até pousando recostada nos paus dos currais,
Após ter sido largada por mais um bicudo de fama
Ao amparo da sorte, num poste de iluminação pública
Onde a lâmpada sem energia não acende mais.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

AS SANDÁLIAS QUE FICAM

 Meus pés de moleque não me abandonam
Sempre que recorro a eles, 
Toda vez que teimo em esmorecer.  
E, logo logo me reanimo,
Redobrando o vigor das canelas. 
Meu tio João Pequeno,
Fiteiro de aresias, já conversava:
Esse menino ainda me ganha o mundo!
Recordo de sua fala mansa, 
Quando profetizava essas coisas.
O tempo passou, passei sebo nas canelas.
Arrebentei as cordas e os cucos,
Quebrei meus cabrestos, 
Reviravoltei as ampulhetas,
Arregacei os punhos e as mangas,
 Desgarrei-me no real da vida.
Mas ainda choro ao lembrar do chão
Dos corredores da minha casa,
Da gaitada de meus irmãos
A zombar de mim, dessas miudezas
Em laços que me acompanham.
Como esquecer das podas
Tão necessárias às roseiras,
Dos botões arrancados do tergal,
 Do linho da minha camisa
De tecido volta-ao-mundo,

E das transparentes-sandálias-verdes-bala-soft
Da minha avó Maria Chiquinha da Conceição,  
Que ficaram esquecidas, largadas num canto, 
Num escaninho da estante da sala de estudos, 
Depois que ela embora se foi morar com Deus?
Só sei que deve ter um anjo-da-guarda
A me calçar o destino
Que me protege à sombra dos abrigos.
E eu sigo sempre alerta, de mãos dadas

Com  a lida, apesar dos perigos
E das cotidianas aleivosias.
Porque aprendi a segurar

Essa mão invisível.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

CANÇÃO VARZEANA: POESIA EM FOGO DE LENHA


Sossego e delícia
Da vida varzeana...
Seis horas em ponto
Ave-Maria!
Bate o sino de São Pedro
Anunciando a hora do angelus.
O jantar está na mesa;
Na cozinha, o fogo em labaredas
Atiça a fome e a alegria chega
Em bolo preto, cuscuz, queijo de coalho,
Beiju, tapioca de coco, batata-doce,
Farofa d'água com cebola roxa,
Carne de sol assada na brasa.
O fogo na lenha do fogão é mais bonito:
Sempre gostei de acender o fogo.
Carece estar-se atento para fazer o fogo pegar
Paciência e cautela para a chama não se apagar.
É preciso colocar a acha suplementar,
As rachas, os cavacos do tamanho certo,
Os gravetos no lugar certo.
Quem acende o fogo do fogão de lenha
Tem de ser também um bom atiçador -
Lembro-me que a minha avó Dalila dependurava
Cascas de laranja secas, para acender o fogo -
É necessário abanar as cinzas, descobrir as brasas.
Que beleza é ver o bule de café,
O vapor da chaleira em ebulição,
Lenha crepitando no fogo, o cheiro bom da fumaça
E tudo tem mais sabor, mais temperança.
Café bem quentinho passado no coador de pano,
Adoçado com açúcar mascavo.
Chá de erva-cidreira ou capim-santo.
Conversa tranquila, rede na varanda,
Vizinhos sentados na calçada em comunhão,
A gente a esticar a alma na cadeira de balanço.
Entre um cochilo e outro,
Um dedo de prosa.
Sossego e delícia
Da vida varzeana...
Isso é onírico, isso é poesia.
Isto são coisas de um sonhador acordado.
Se isto me falta, não me acho,
Choro, com certeza!

segunda-feira, 23 de maio de 2011

CANTIGUEIRO

No parapeito da ponte,
    No alto do abismo,
Eu me apassarinho,
Esvoaçante me arribo.
Pego a direção dos ventos
Numa pétala roubada
Da rosa dos ventos.
Dou espaço ao tempo
Que não me cerca
Com esperanças novas.
Não lamento a sorte
Nem o ermo roteiro, de certo
Nem a asa baleada me dói.
Eu consigo alar-me a céu aberto.
Eu sigo nas asas de um cantar mavioso
A buscar meu norte.
Ao me achar bonito, não me furto a cores,
Apenas afugento a dor por encanto.
E o canto me revigora por dentro,
Desde a hora em que a aurora
Me abre os olhos
Cedo eu madrugo a sonhar,
Cuido de ganhar o mundo
Sem medo dos choques ou atritos
Quando pouso nos fios dos postes,
Atento nas luzes postiças, de sorte,
Acendo meu canto a me orientar,

Por mais que haja sombras,
Estufo o peito de contente.
E o amor me escuta de longe.
E o amor me abre um clarão,
Apesar do escuro da mata,
O amor não se expira nunca,

O amor me restaura as penas,
Porque o amor me rapta
Para um ninho seguro.
E a flor/esta não me fecha sozinho,
Pois me dispara afetos e avenças
A inserir-me em coro
De outros passarinhos
De bicos afinados
Em airosa cantiga,
Rumo a outros paradeiros.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

MEU SANGUE AZUL TINTEIRO EM POESIA


A poesia é como um riacho,
Leito de verbos
Que o mel adoça,
Onde a alma do poeta se banha,
Sob os primeiros raios
Do amor derramado
Ao quebrar de toda manhãzinha.
Sei que amar/é/linha
De sol, amar-elo,
Um deitar manhoso,
Manso abrindo janelas à imensidão,
No remanso das palavras
Que se prestam ávidas
À soberana manha
Do sentir, arte e ofício.
Poesia é unir/verso,
É perfume visível
Que não desaparece
Quando entranha na pele. 
É devoção, poder, paixão tamanha.
Poesia é meada,
É fio de esperança que se alinha
No equilíbrio de um pote sagrado
Sustentado na cabeça
Sob a rodilha
Do  eterno cio
De um rio onde
Se fecundam sonhos,
Mesmo que salobros sonhos,
A duras penas fertilizados
Em versos testemunhos.

Poesia é magia e potestade,
Que singra horizontes por dentro
Da carne viva do coração
Que se esvai sem medo,
E fortalecido se dobra
Até à boca do céu
E desce encarnado,
E cobre de azul tinteiro
A nobre veia do poeta,
Querendo fazer
Um pacto de sangue
Multicolorido.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

LAVOURA: PLANTANDO SEMENTES, RAMAS E VERSOS

Do calejo da palma 
Das mãos à peleja
No acunhar
Das enxadas secas.
Da rachadura
Dos pés no chão
Na lida,
Na fome por terra
E sustento.
Do grão ao sonho, 
Lavrado poema sem rimas,
Ramas em leirão, manivas.
Enxada na mão valente
A arar a terra ressequida,
Antes mesmo do acorde
Do cantar do galo,
Quando o dia nasce
E não se perde tempo
Na empreitada,
Ao se preparar a terra nua
Para receber as favas,
No plantio das sementes
Ao cair das primeiras chuvas
De nuvens carregadas 
Cheias do céu aberto
A encher os olhos da gente
De gratidão, alegria e festa
Pelas águas a dentro,
Pelas eiras e beiras, 
Torrentes que desabam
Enchentes sobre a boa Várzea, 
Renovando a Esperança,
Apesar de inundar as ribanceiras 
Do rio Joca ao Riachão.

terça-feira, 17 de maio de 2011

BORDADEIROS, SIM SENHOR!

Foto: Lampião costurando numa máquina Singer: ele era o estilista
e fazia os bordados de sua indumentária, para sua Maria Bonita e bando.


Hoje eu acordei com uma ideia fixa
Dessas que abordam a massa cinzenta:
Imaginei-me a escrevinhar um poema
Em papiro ou numa matéria-prima do tecido,
Ou até mesmo num papel de pão,
Como quem borda, originalmente.
Em vez de novelos, linhas e bastidor,
Viajei a bordo no desafio-meada da estética, 
Engajando-me afoito no fio das palavras,
A preencher o espaço que sobrava
Na decoração da alma encostada,
Para tecer um bordado em versos e,
Pelo avesso, fazer seus arremates,
Sem dedal nem fusos, nem precisar de rimas.
Onde já se viu uma coisa dessas,
Homem metido em delicados ajustes?
Só sei que há tempos que discordo
Desse pensamento arcaico, preconceituoso,  
De que cabra macho não se atina a pregas,
Como se agulha ferisse o cós da masculinidade.
Mas é um nó que pode ser desatado, distorcido,
Nesse poema elástico que me enleva a bordar. Por que não?
Talvez não seja eu o primeiro ao intento, mas me atrevo.
E ainda mais depois de ficar sabendo à risca,
Que Virgulino Ferreira, o Lampião, era estilista.
Mas como assim...Lampião era Estilista??!!!
Denota-se por demais comprovado o efeito da célebre frase:
"Os brutos também amam"!
Pois é, pasmem!! Virgulino, o rei do cangaço (vulgo, Lampião)
Era costureiro sim, e todas as peças da sua indumentária,
Bem como acessórios ostentados pelo "bando",
Eram, incrivelmente, fruto de seu talento,
Criatividade e delicadeza  como estilista.
Não, não leste errado, é estilista mesmo! Dá pra acreditar?!
Agora tente imaginar a bela cena:
Sertão nordestino causticante, dezenas de armas empoeiradas,
E num pequeno arbusto ao canto, a imagem de homens
Rudes e violentos, bordando flores e estrelas
Entre os cactos da caatinga e carretéis. Acredite!
Está longe de mim, pois querer ser cabotino.
Mas não vou defenestrar a brilhante ideia
De ter meu poema traçado borda a borda, com esmero.
Então, que cada bordado me faça a cabeça  sem viés,
A rigor, quanto mais se pratica mais lindo fica o traje. 
Que me venha em cada conta, esbugalhadamente, 
Que aumente um ponto, sem vergonha de ser,
De riscar moldes, cortar fuxicos, pregar botões. 
Em cada rascunho, um desenho, amiúde,
Em cada encanto, um sonhar-te calçado.
Assim, vou desfazendo o retrós das esperanças,
Bordo pacientemente...realizo-me em arte e manha.
Tenho em mãos agulhas da memória, alinhadas.
À parte, nutro meu coração nas mangas do passado,

Mas não me atenho a dobras convencionais.
Vivo o presente, alinhavo o agora-já-sem-demora!
Moldo o futuro, tricotando aqui, acolá, sempre.
Eu contigo, dentro, entranhado, ó minha Maria Bonita!
Da linha ao linho, exposto assim, desabotoo-me,
Deixo o vexame em crise existencial.
Abro o tecido da esperança ao limbo.

As letras me ressurgem coloridas,
E se alçam sobre leves panos esvoaçantes
Com a saudade trazendo fios atrás de si,

Ao engenho das palavras brilhantes mergulhadas
Na urdidura colcha de desejo aos retalhos.
Nosso ninho cingido, bem feito 

Quase que esculpindo uma terceira dimensão. 
Nosso Amor genuíno, autêntico.
Se amar é linha, eu (des)afio a barra do destino.
Me achego a Várzea, prenda minha. 
Não me contenho apenas a compor,
Dou forma vigorosa ao poema,
Me reverdeço em bordados. Ponto.

domingo, 15 de maio de 2011

UMA PUTA POESIA: DO LAMBE-LAMBE À REVELAÇÃO DE UM SONHO EM PRETO E BRANCO

Valéria da esquina
Sonha um dia em se casar
De véu branco e capela,
Com direito a álbum de fotografia
Nem que seja do lambe-lambe,
Com retratos em preto e branco.
Ela pensa em largar  
Desse ofício de se dar fora da alcova.
Treme que treme na base, arrepia
Como se fosse a primeira vez.
E sempre lhe sobra uma puta canseira
Que faz ela perder a cor, empalidecer
E, pra burlar a ansiedade,
Chega a tomar doses de valeriana.
Diante da vida que leva, sem eira,
Conter-se nesse vão amar, é duro.
Chega uma hora que sobrecarrega. 
Esse ritmo vil de se entregar pra todos
Só fica bonito em livros
Da cabeceira à mão,
Das pedras à Madalena,
Das navalhas na carne ao roer dos ossos!
E ainda mais ela, justo ela,
Que nunca se fez de rogada nem santa, 
Que aprendeu na rua com a vida
Eivada de vícios e manhas
A dar nó em pingo d'água,
E até desatá-los,
Ao ganhar força na queda.
Boto fé no seu taco,
Prendada que é
Pode ser muito mais
Que uma puta mulher.
Valeu, Valéria!
Tua lida me fez tecer
Esse poema de amor e luta,
Fora da cama.
Mas não te esqueças do sonho,
Ainda dá pé encetá-lo,
Ele pode ser acordado.
Cometa-se com seus botões.
A vida é sua, então, roube a cena.
Não sinta vergonha na pele desnuda,
Traga no próprio corpo a revelação,
Esqueça o giz, não a meta.
Olha o passarinho!

sexta-feira, 13 de maio de 2011

JENIPAPO


Como era doce andar
Pelo quintal da casa
Da minha Avó Dalila
E se deparar
Com aquele pedaço
Da Várzea em flor.
Era um pomar assim
Cheio de goiabeiras,
Mamoeiros, bananeiras
Canas-caianas,
Pés de pitangas,
Pés de coqueiros
E jabuticabeiras.
Como era bom trepar
Pra colher frutas de vez
Ou caindo maduras do pé!
Dá até água na boca
Só de pensar
Nas carambolas,
Nos maracujás,
Nos tamarindos e nas pitombas.
Lembrar dos umbus-cajás-mangas
Por todos os lados
Com travo e doçura.
Mas quanta falta sinto
Do meu pé de Jenipapo!
Eu o plantei, vi-o crescer lá no barranco,
Dando frutos encerados da cor da terra,
Caindo entre folhas verdes,
Esborrachando-se maduros,
Perfumando o ambiente e o meio
Onde a vida era um bem
De mais valia.
Pluft-plaft!
Hoje ele já não existe mais.
Caiu por terra, meu jenipapeiro,
Aos trancos e sopapos,
Prostrou-se aos golpes do machado.
Depois de velho,
Virou lenha para a fogueira.
E hoje para matar a saudade
Degusto um bom e velho licor caseiro

Que traz o sabor agridoce
Do jenipapo. Pluft!

Ou não seria uma imitação sintética,
Um aromatizante artificialmente colorido
Idêntico ao natural podendo variar em aroma e cor
Em função da safra da fruta de origem
Sujeita a conservantes variações flavorizantes?
Mesmo assim, revivo nesse cálice de poesia
Tudo outra vez. Plaft!

CHEIROS DO ITAPACURÁ

Sim, eu nasci com um olfato bem apurado.
Desde cedo eu gostava de sentir os cheiros
Que beiravam as estradinhas de terra.
Eu gostava de ir da Vargem à margem do rio Joca
Buscar um cheiro de mato no meio dos juncos.
Era essa aragem campestre que me levava ao Itapacurá,
Onde ficava a casinha simples do tio João Pequeno.
Paisagem singela rodeada de cheiros silvestres,
De mato verde, de hortas e de frutos maduros.
Além de flores de laranjeiras
Exalando cheiros da manhã.
Aromas que atravessavam 
Os vertentes olhos d'água
Que iam dar no curral perto de casa.
E adentravam os corredores da tapera,
Numa arenga do tempo a se espreguiçar manso,
A se enramar pelos melões-de-são-caetano nas cercas verdes,
Pelos jiraus e bicas a fora, sem avexar esse moleque menino
Afoito a correr, desgarrado entre águas-de-cheiro e ruídos, 
Até se achegar às flores frescas dos jarros de dona Zefinha,
A adornar a mesinha do oratório da sala de bem-estar,
Onde imperava a moldura da Sagrada Família:
O Menino Jesus, a Virgem Maria e o divino São José. 
E agora o que me ampara, de fato, 
É perpetuar meu gesto inquieto,
A fazer versos como quem reza,
Feito aquele devoto varzeano, 
Ainda me seguro na Fé
Que nunca me deixa desmoronar. 
E assim me levanto nesta Poesia
Recaindo em lembranças
Na fixação daqueles aromas e perfumes,
Que me enlevam a viajar longe, longe, 
Só pra sentir bem de perto o meu Itapacurá.   

segunda-feira, 9 de maio de 2011

ABSINTO EM DOSES DE POESIA SEM PECADO

Eu gosto de resguardar
O cheiro de muitas coisas.
Guardar o cheiro
De pessoas,
De momentos inesquecíveis,
De dentro de livros,
De orvalhos mornos
De tardes amenas.
Lembro-me muito bem
Do cheiro de Maria Rosa,
Minha eterna fada verde,
Que tanto bem-me-queria,
Que morava na outra margem
Do outro lado de lá do rio Joca,
Ali na minha Várzea das acácias.
Recordo-me do seu rosto colado ao meu,
Da sua mão trêmula sobre a minha,
Da minha mão buliçosa na sua,
Num afago às escondidas.
Apesar dos botões perdidos,
Do odor das roupas amassadas 
Naquela noite que nunca se acabou.
Pernoitando aromas encobertos,
A gente exalava tanto perfume
De almas de flores esmagadas,
Corpo a corpo, tête-à-tête,
Sem querer saber
Se o fôlego aguentava o coração
Que teimava em sair pela boca,
Sem arenga nem ópio,
Sem papoulas nem desafetos, 
Só o vento batendo nas folhas
Esvoaçando as folhas mortas,
Escrevendo páginas da vida,
Fixando seus cheiros, de súbito,
Embriagando-nos de Poesia
Como se fosse absinto.
E agora me pego assim
Delirando essências,
Só pra desopilar. 

QUEBRA-POTES


E lá vai o cabra da peste
De olhos vendados.
O corpo semitonto, ariado.
Na cabeça do menino sonhos,
E uma vontade avassaladora
De acertar o pote,
De quebrar a matéria
Só pra ver o que tem dentro dele
Quiçá ir ao encontro
Do sonhado tesouro agreste
Ou simplesmente se achar
O mais rico dos homens,
Dono de preciosa botija.
De repente: um estouro.
Cacos pra todos  os lados,
Fragmentos por toda parte
E de outra banda
Ainda resta esperança,
A tão esperada sentença
Das horas corridas
De se quebrar a cabaça,
Conduzido que seja
Debaixo de vara
Até rachar a fantasia
Abrindo as comportas,
Ao se achar na poesia
Em meio a coloridos papéis
De bala
Que o tempo incansável
Espalha do obscuro a dedo
Pelo vão do destino afora.
Tudo isso acontece, de súbito,
Ao ser quebrado o pote
De ouro de tal sorte, sem medo
Que faz acreditar o menino
Poder ir mais longe do que vê,
Não só até aquele chão do poste.
Tomara risonho possa ir além
do sonho imbatível!
Que aposte na escolha
De chegar lá, ciente
De que escolher
É não abrir mão
Do impossível sonho.
Afinal, quem foi que disse
Que há sono tão pesado 
Que a gente não possa despertar,
Que a gente não possa acordá-lo
Só pra sonhar de novo?
Logo, de bom alvitre, por que não tentar 
Abrir o olho, intuir a meta, o objetivo
Errando ou não a mira, não desesperar,
Meter a vara, na tentativa de quebar o pote,
Arrebentá-lo, mas sem deixar que a fantasia acabe!