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terça-feira, 29 de novembro de 2011

TUTANO

Sou mesmo osso duro de roer...
desde pequeno fui de tomar cálcio
de caneca em punho,
já espumava o bigode na ágata,
balançando o esqueleto em forma
arregaçando as mangas,
ou mamando direto na fonte
bem nas tetas da vaca mocha
que vertia seu leite puro, in natura,
esguichado bem na minha cara...
Sou osso duro de roer, sim,
sou travesso menino que destrincha a fera,
que papa o bicho e assa o pão
antes do estancar do querosene,
antes do apagar do pavio do candeeiro... 
e pernas pra que as quero...
dei mão da mochila, ganhei o mundo,
solto na capoeira, eira e beira.
Busco 'sustança' no tutano,
verve que me ensinou a viver livremente,
para sugar o tutano da lida,
arredando a existência morna e sensaborana,
celebrando o presente com ânimo
aprendendo a sugar o tutano,
com vigor e essência: sou poeta
e não há nada que me pode as asas,
nada que me impeça fluir nessa força:
ora voo até fora da asa, sem medidas,
porque creio na poesia,
na essência que crio,
no inspirar das ideias
que me dão tutano!

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

CUIA

Na beira do açude,
eu encho cabaças e moringas,
Eu encho a cuia
sob teus olhos acordados
que me fitam potáveis
querendo me beber os sonhos
longamente, imperiosamente… na cuia.
de dentro dela o amor me espia.
Ao desemborcá-la,
retrato-me em tamanhas certezas
e, num átimo de tempo, capto
misterioso recado disposto
no seu espelho d'água
que não parece só fazer água...
é a cuia a me decifrar sinais
como que a gritar silenciosa,
o que teus olhos me falam de soslaio
feito alma que quer ser corpo, de fato,
de criação que anseia ser criatura
que anseia o dedo de Deus
a conter tua mão
que segura a minha cabeça de cuia
que contém a minha alegria
de momento a momento:
tal qual uma ave afoita, aflita
fazendo o pensamento viajar longe
ao tecer este poema assim fora da asa!
E o teu olhar líquido me convida ao mergulho,
porém entra-me na carne viva
um sentido nunca vazio, de certo,
de que teus dedos criam raízes na minha mão.
Teu olhar abre-se em abraços,
do íntimo, há braços alados a me apoiar
diante da forma inquieta de meu ser;
Tuas asas enlaçam-me toda a alma.
Teu olhar de lince me contempla inteiro...completo.
Logo revido, de dentro, em penetrações supremas
e sinto tanto prazer nesse consentimento,
que me vem à tona toda evidência
de que se vai abrir
todo meu corpo
em poemas:
daí nu vejo a céu aberto
nu me vou liberto,
no vão do céu azul,
quando me levas às nuvens!
Daí reviro a cuia
fazendo a chuva se derramar
cheia de céu
sobre as nossas cabeças!

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

DÁDIVA

Olá, vida-menina-trombuda,
não me peças palavras melífluas
quando apenas franzes a testa
em sonora gargalhada de mentira
não aceito que invadas meu peito
e nele deposites o ouro dos tolos
cansei de sorrisinhos de catálogo de moda
não mais me convences com teus manuais 
estou me lixando ao luxo da festa das mil e uma luas
quando cospes à ali-babá no prato que comes
quando mijas numa esquina da cidade
impondo aos bestas tuas frases feitas
cansei diante da comédia e dos dramas 
de tuas peças simétricas e máscaras convencionais
cansei de ser boneco de fantoche em tuas mãos
deixa que eu fale por mim em vida e versos
não me venhas extasiada regular meu verbo
nem suplicar por aquilo que só faz me atazanar o juízo,
porque em suma eu dou apenas aquilo que possuo
sou poeta, sou o dono da vez, da carne viva,
tenho esta feroz vontade de gritar ao ego
que só o amor é capaz de abrir o sésamo de cor,
rasgando a mordaça do amor em outras esquinas.
peças-me a mim, nada mais posso ter
e a ti darei tudo o que possuo
veias, vasos e capilares, tudo a tempo,
com suor, sangue e minha riqueza a céu aberto: 
EU
e comigo doarei um coração recauchutado, refeito,
mandando às favas as gravatas e até os public-relations
bem quero apostar no presente único do ex-cara velho
que faz poesia como quem carece mais que água e pão.
Assim aprendo a crescer e a me multiplicar em letras.
Sim, peças a mim, estou pronto a tecer o meu ser
Sou poeta... noite, dia, sol, mente sã em terra nua.
Escrever é o meu tesouro de diamantes.
Tomai e comei,
este é meu corpo desnudo...
nele posso ser só o que eu quiser!

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

MEMÓRIAS DE UM MENINO VARZEANO


E a gente descia com o sol
pelas trilhas do rio Joca.
Picica ia na frente, devagar com os anzóis,
Xibimba ia com o samburá
agarrado na saia da mãe, dona Lucila de Preta,
e da irmã Vira que conduzia o landuá aos ombros.
De repente,  lá estávamos nós
além do riacho da Cruz,
após haver saciado a sede nas minas d'água
das cacimbas de Nozinho.
Era a caminho do rio salobro
que enchíamos a cuia pra se refrescar 
e as cabaças de água para beber,
tomando aquele banho de lavar a alma,
desses de ver Deus a olho nu à sua frente.
Cá para nós, diz-se
que água não tem cheiro,
gosto ou cor... ledo engano!
Pois essas águas tinham sim,
acho até que é por isso mesmo 
que remexem tanto com as minhas lembranças.
No estio, o Joca ficava mansinho… rasinho…
Descalços pelo vão do rio,
dava para atravessar a vau
de uma margem à outra andando
pela areia branca, morna e rasa.
E voltávamos para casa mais leves
com a enfileira de graúdos jacundás,
após haver limpado a vista na beira do rio, 
onde catávamos doces ingás, canapu,   
melancias-da-praia e melões-de-são-caetano.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

O APANHADOR SOB OS ACORDES DE UM SONHO

E chega o dia  de colher,
a hora é de folguedo,
de sentar à mesa em festa
e agradecer, com afinco,
pela paiol da casa farta
pelo balaio cheio de espigas
pelo sustento
pelo alimento
que mata a fome
de vida dessa gente destemida
que ainda acredita na força
que brota em acordes de um sonho
que se levanta
que fertiliza o riacho do mel
E há tanto leite
a verter no seio da Várzea
a se derramar vertente
no leito da terra!
Dá gosto de ver de perto
o tempo soprando sulcos
no chão soprando mudas
nas mãos criando calos,
na terra soprando juncos
no rosto riscando rugas,
o tempo andou semeando letras
e eu plantei este meu poema
assim disposto feito milho em pendão
contente da vida varzeana,
revigorado pela lida
que a natureza inspira,
do germinar do grão
ao prazer da colheita.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

CHÃO DE DENTRO

 O lavrador ara o solo
das mãos lança a semente
o sol aquece o vapor
que carrega a nuvem
cheia do céu,
a chuva cai de vez, tromba d'água,
o rio Joca se alarga na enchente,
inunda a vargem
espalha cheiro de terra molhada

encanto de sapos, caçotes e jias
alegria que se expande
pelas quatro bocas,
pelos quatro cantos,
apesar do suor e da mão calejada
labuta em renovar a peleja
que alimenta a esperança,
luz que banha de verde o sonho,
o leirão e o pé de feijão,
bem antes do meio-dia

a pino o sol se desabrocha 
lavoura em flor de algodão,
sobe o som do afiar 
das enxadas de ferro...
santa é a cantiga

que fecunda a Várzea,
as árvores florescem,
os frutos crescem
em reverência ao chão 

que se alastra em promessas 
por um agreste verde.

domingo, 20 de novembro de 2011

CONTENTE EU SIGO NA LIDA. LÁGRIMAS? SÓ AS DE CORTAR CEBOLAS!

E ele me chega assim, atrevido,
deitando-me lágrimas nos olhos 
de cortar cebola, e me apraz 
mesmo vendo que o mundo gira
embaçado, em torno de sóis
ao redor do meu poema 
que parece pequeno,
mas o dia é que é pouco
pra cabê-lo inteiro 
tendo em vista 
que ele se achega, adentra 
causa refluxo na aorta
e me deixa assim, ex-cara velho,
com ânimo renovado não só no rosto, 
disposto a cometer loucuras!
E acabo por recomeçar
Saio da moldura, largo a maca
me pego a andar, a voar, a beber 
toda água que me acetina 
o semblante depois de muitas luas
e pingentes estrelas numa constelação
que se expande na minha sala-de-estar
só por causa desse Amor que impera
que não perde a beleza
nem quando encontra a presença
em miúdos das coisas de rotina.
Ele é quem me faz menino 
 encharcado de amor 
desses que me leva 
a dar bom dia a cachorro, 
abraçar plantas e crianças, 
apesar dos cheiros e ruídos
oriundos do curtume dos descontentes 
que querem porque querem, 
no fim de uma leitura, o mapa-rascunho de vida,
e ora lhes apresento minha risada escrachada,
com cara de moleque feliz, chorando seus prazeres
mas marejado é de felicidade, que ora me nina, 
sem pensar em cortar os impulsos tão cedo,
apenas satisfeito ao cortar suas cebolas roxas,
Porque ele está ali de novo, o Amor
me convidando a tirar a roupa
e mergulhar por mares 
nunca dantes navegados...
Desnudo, abraço o amor
e vou abrindo espaço vão afora
aliado ao meu braço de mar,
ainda sou rio na embocadura da lida!

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

SIM, DEUS DANÇA!

Sim, acredito
num Deus que dança,
um ser que não se cansa
susceptível pelo radar dos sentidos,
que pode ser invocado
através do silêncio das coisas
até no pensamento
que constitui palco e ponte
de cordas lançadas
de dentro para o alto, 
sobre a amplidão dos acordes,
pois, deles se escuta o assobio de Deus.
E assim movidos pela cantiga, de súbito, 
numa música solene, de certo,  
delineam-se, dia-após-dia, 
os passos do transeunte
que chega ou que parte
na animada estação cenário
que nos enleva alma e corpo,
sob as mãos de Deus,
que nos concede essa dança,
que sabe os passos e a contra-dança,
no ritmo das horas,
sob a batuta da vida bailarina
que nos convida, de pronto, 
a experimentar bailar com/para Ele,
sem carecer de ensaio, nem precisa, 
a rodopiar nos embalos da lida,
até só restar a última cadeira
quando saímos da penumbra 
ao acender da iluminação da cena
ou pelo soar de trombetas,
só pra ver o semblante de Deus,
quando a dança suprema
nos chama à saideira,
porque o bailinho só acaba
quando se fecham as cortinas,
e o mundo da gente
cabe nessa dança,
êh, bagaceira!
até nos fazer perder o juízo!

terça-feira, 15 de novembro de 2011

VOLÚPIA EM VERSOS

Com avidez,
sei que posso tecer 
um poema
assim num cantinho 
com acordes 
de astros
enamorado das letras 
como quem abre a claridade 
para ouvir as palavras por mim sentidas,
advindas dos clarões de baunilha 
que recendem da tua boca
na tua voz rouca a descrever as coisas,
assim como quem entrega a alma 
a se atirar corpo-a-corpo
num latejar de ânsia febril 
onde o desejo se inflama, consentido,
onde o beijo bebe com volúpia,
soletrando sílabas sensuais
em rimas de balbuciadas metáforas
no encontro de lábios ardentes
percorrendo poros palpitantes,
A rasgar com encanto a verve 
do que não estava escrito
E num afoito jogo de línguas 
passo a afagar a pele suada com fulgor,
na incessante busca 
de quem se perde nos labirintos
de frente e verso, de ponta à cabeça, 
numa paixão infinita, quase profana, 
no intuito de atingir, por um átimo de tempo, 
a vertente veia do clímax, sem esquivos,
mesmo que seja no ditoso orgasmo 
de um ávido e penetrante verbo.
Porque eu posso tecer um poema
com amor, dado que não me falta tempo,
posto que para a vida 
tenho o amor que me basta.
Daqui posso tecer seu porvir em versos,
a partir do poema que traço.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

RECOMEÇO


Outros ventos virão, 
outras trilhas, outros verões...
E quantos olhares primaveris
 já perfumei espaços afora,
em quantas folhas perdi a dor
e noutras me fotossintetizei reverdecido.
Muitos sóis já fiz morrer nesta vida,
depois de muitas luas.
E renasço sempre noutro amor, 
nas cores de outra aurora.
Diversos corpos 
já enterrei, dentro de mim.
Habitei outras peles 
em carne e osso, escorei-me.
Encostado nasci de novo, com gozo
oriundo do próprio sangue, do sal do solo
das cinzas e dos véus 
das mortalhas da noite,
num outro eu, a cada morte 
revigorado, sobrevivi.
Contudo, esse outro eu, 
talvez seja o mesmo, 
recém-saído da penumbra, 
encarnado sem retoques,
afoito feito vela de acender, 
esperança porvir,
veleiro em flor 
a atravessar braço de mar,
achada garrafa-de-náufrago com mapa, 
croqui de um bem-querer de novo amar. 
Ainda sou embocadura, 
sou rio a lapidar 
pedras, perdas necessárias 
na bateia da lida...
Assim posso ser eu, 
brilho de diamante, de certo
amante do dia, 
vela aberta na mente, 
mar adentro...
Até dobrar o cabo 
das tormentas, e consigo.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

POEMA BREJEIRO

Quero porque quero 
Emaranhar-me nesse amor brejeiro, 
Essência, flor/esta da paixão
'Quiliaros' caminhos
Que levam aos ariscos
Riacho do Mel a escorrer, 
Doce Maracujá 
Quero colher e ser colhido,
Manga madura no pé,
Apanhar caju e castanha
De manhãzinha... nascer com o sol
Basta me dar leite azedo com melado,
Rapadura, feijão, farinha torrada 
E uma hora de rede na tarde amena
Deitado à sombra 
Do meu pé de graviola.
Na verdade, peço muito pouco.
Preciso de nada mais não!
Dê-me um prato de coalhada todo dia,
Umas tapiocas recheadas de coco, 
Um punhado de peitos-de-moça, 
grudes de goma na palha de bananeira 
e uma fornalha de carrapichos
Que eu cerco o mundo
Num instante, ligeiro, 
Só p'ra os bichos não se perderem
Da minha Várzea das Acácias!

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

MEU POEMA JOGA COM A SAUDADE

Ó, Minha Várzea das Acácias,
Deixei contigo o meu amor...
E em meu peito, não vazio, 
pulsa um coração atento
Sob cantiga de açúcar 
no meio da tarde amena,
Onde vejo botões em flor 
a se abrirem nos teus vales,
A vestir teus campos de cores ao Vapor,
E o sol todo laranja querendo se deitar 
ardendo de paixão no açude do Calango,
E a flor silvestre do Maracujá a se emaranhar
No fascinante colo do agreste verde.
Insisto em trazer comigo esse amor
Que me dá brilho ao olhar,
Ao brincar perdido nas lembranças
De outrora que não se dissipam,
Apesar da lonjura e do tempo
Em que só tu me consegues guiar,
Minha Várzea amada!
Só me basta recordar do teu sorriso franco
Para me sentir assim maravilhado, ao arrebol,
Como se meu coração fizesse festa de contente,
Como se estivesse a jogar bola ali 
no estádio João Aureliano de Lima, "O Limão",
Ou mesmo lá na tua Vargem, 
Sem me preocupar com mais nada 
nem com a hora de voltar pra casa,
Sem esquentar a cabeça com a vida,
Uma vez  que não precisava sair gol.

domingo, 6 de novembro de 2011

SEM ARREDAR O PÉ DA MÃO-DE-PILÃO...

Oi tum tum tum, 
patati-patatá!
a menina varzeana
toda faceira joga as ancas 
pra frente e pra trás,
de lado e de banda, 
mas não arreda o pé
nem a mão-de-pilão,
oi tum tum tum, 
patati-patatá! 
não debanda da lida,
num jogo de cintura
finca a mão no pilão, 
bate mais, com firmeza
bate firme os grãos
pra fazer o fubá,
pra fazer munguzá
pra fazer xerém e cuscuz.
É pois consabido 
que janeiro é mês de chuva, 
fevereiro é bom pra plantar, 
leirão preparado, solo já molhado;
em março o milho cresce, 
em abril vai pendoar, 
em maio está bonecando, 
no São João está bom 
de assar na quadrilha, ou cozido, 
saboreado em pamonhas, 
canjiquinhas, bolos e curau, 
ao redor da fogueira nós vamos 
é dançar, trazer folguedo e festa,
adornar o andor na procissão, 
agradecer ao apóstolo São Pedro,
soltando fogos de artifício e rojão,
mas em julho o milho está seco 
e é tempo, morena, da gente pilar...
E assim a gente se entrega à fartura,
sem esquecer de sementes guardar,
e assim 'vamo que vamo simbora' ciente,
 contente da presença, morena,
desses grãos dourados 
na mesa do bom varzeano
que não desiste nunca, 
que ainda acredita 
com toda mulinga, morena,
na força que brota do chão!

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

JEITO DE MATO

Gostoso é cheiro de mato
capim verde capinado,
o gado a mugir
lá no Capim Grosso
Chão seco, curral, quintais e taipas
retratos bonitos do Itapacurá
telhados molhados de orvalho, perfume
cheiro de terra, cantiga de passarinho
Vapor junto ao corpo suado
pés de moleque a correr
pelas trilhas varzeanas,
entre o riacho da Cruz 
e o rio de Nozinho
mistura aromatizante
entre canas-caianas, 
caldos e licores
de jenipapo e maracujá
pura fascinação vertente
riacho que adoça o mel
esperança renovada com gosto
com jeito arisco
de agreste verde
banhado pelo rio Joca,
 solo fértil, terra abençoada
gente-gente pacata, hospitaleira, 
contente de bem viver a vida 
na minha Várzea das Acácias!

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

MADÁ

De salto alto, 
ela requebra, balança,
cai, mas não se prostra na lida   
ao atravessar viadutos, altos e baixos.
De quebra, se debruça, se enxerga 
pelo retrovisor dos automóveis
de luxo, desnuda ela entrega a carne
faz a barganha por outras bermas, 
com uma lágrima presa 
na garganta, profunda, 
apressa o passo, abre as pernas
estende a alma que ficou longe dali,
como quem sonha, pensa em ter vida própria, 
vez que a sua há tempos ficou guardada 
noutra realidade menos cuspida
que neste poema não se concluirá,
não será soneto, mal soará,
sem chave de ouro:
posto que é sorvedouro,
uma esponja rústica, espessa,
apenas um mata-borrão de angústia
que não apaga o suor ardente 
no semblante de Madalena,
lágrima vertente a escorrer 
quase oculta num canto da boca
dessa mulher de vida dura,  
consciente que mão nos lábios e tal
não é apenas batom, mas atura os ais,
reborda as vestes, cinge as urdiduras
das impostas camisas de força, 
antes de recompor a moldura de Vênus
que a expõe na tela da vida real,
antes da batida final 
do martelo do arremate. 
Dou-lhe uma, dou-lhe duas... 
Quem dá mais?