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segunda-feira, 31 de outubro de 2011

MÃO-DE-PILÃO

Bate, rebate, mão-de-pilão!
ânimo do braço e da lida,
utensílio rústico e potente, 
com humilde e valorosa força
quebras milho e mandioca
amassas grãos em farinha,
como chamar-te preguiça,
se, para nós,  fazes pão,
se entre uma leva e outra
vais esmurrando a canjica?
Mão-de-pilão a apisoar,
separas a palha do grão,
soca que socas
a triturar nó encruado, 
despolpar e repisar, amiúde, 
sem piedade nem dó,
a moer pedras de sal,
refinar cristais de açúcar mascavo,
fazer mistura, bolos e paçoca, 
polvilho de tapioca, beiju e grudes;    
laboras e gemes sua bronca 
não descansas sua sina,
com ânimo vais pilando sonhos 
aos acordes calejados, 
vais afastando os males
e curando as espinhelas caídas;
descascando incansável 
o que em nós curte o tempo
o que se esvai ou estanca,  
o que prossegue estocado 
transformado em pó, 
longe que vais, longe da cantiga
além do sol da manhã 
que se levanta a bater adiante
e chega manso, de repente,
entardecido na soleira da porta  
nessa toada mão-de-pilão 
que ecoa seca na alma e na carne, 
e fica a fazer tantã, titi-ti, tata-tá!
a tocar bem lá no cerne 
na massa da cabeça da gente.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

O LIVRO

Eu me atiro nas palavras,
vice-versando tenho à mesa
carne, peixe, pão e queijo prontos.
Prefiro a faca, o anzol e a fome.
Eu vicejo, reverdecido,
abro um livro 
como quem abre
um telhado no deserto. 
E, de dentro, me alinho
de sorte pro alto, de súbito,
dou partida ao meio
de chegar ao cimo, e chego,
ganho firmamento,
o norte ponteio, de certo,
sem vexame nem dilema, acolhido.
Alivio um pouco minha sede.
E assim aliado às letras 
com toda força arremesso
meu bumerangue encantado.
'Oasis/meio-me' na lida
e do topo da minha casa
posso girar o mundo
que trago em minhas mãos,
beber da sua água,
posso andar com asas
e ver suas páginas 
de frente e verso,
de todos os lados,
amparado assim
no que está escrito
em meu livro aberto.  

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

PELAS TRILHAS VARZEANAS - CABRA DA VÁRZEA, DONO DO MUNDO



Meninos varzeanos brincando de cavalo-de-pau na Vargem - Várzea RN
Se a minha vida ali foi boa?
Desde menino travesso 
dela não sei reclamar
não reclamo da minha sina,
nem do improvisar com ossos 
o meu gado no curral
nem dos cavalos de pau,
nenhum bocadinho que seja,
 nem pudera,  porque fui feliz,
muito além do faz-de-conta.
Ainda moleque era solto na capoeira,
passava sebo nas canelas e,
pernas pra que as quero!
 Junto com a passarinhada,
seguia as veredas desde cedo, 
pelas margens do rio Joca
encantado, achava-me coqueiral afora.
Percorrendo a nua Vargem,
conheci ao largo o Vapor, suas lendas,
Seixos adentro, poeira, pó  
e os semi-áridos caminhos 
do agreste verde
que sempre levam 
à Nova Esperança.
Senti o cheiro do mato 
do Capim Grosso, contente
mergulhei no Retiro de seu Olival.
No riacho do mel  
fui apanhador 
de algodão 
de fibras finas
e adociquei coalhadas
com mel-de-europa.
A partir do meu chão,
ganhei o mundo.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

JUAZEIRO

Sou esse tronco espinhoso, 
de ramos tortuosos,
de galhos retorcidos,
de copa verdejante, 
apesar da aridez do chão.
Sou sombra e aconchego,
sou flor, espinhos e frutos
sou ninho de gravetos, 
abrigo de anuns,
sirvo de suporte 
para ervas e passarinhos.
Sou casca grossa, madura,
boa para escovar os dentes,
sou mancha verde 
que cresce mesmo longe 
das chuvas de inverno. 
Sou vida que floresce no verão,
apesar do tempo quente e seco.
Sou Arbusto silvestre,
juazeiro do agreste,
planta nativa,
sou árvore com as raízes 
muito bem fincadas 
no solo fértil da boa Várzea,
mata cativa,
sombra para o corpo, 
sou descanso propício
do viajante alado, 
depois de muitos sóis,
quando o tempo de estio 
é mais interno.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

FOGÃO À LENHA

Na cozinha de dona Dalila
a gente era a gente mesmo:
Éramos fogo, fome e alegria.
Tenho saudade do que já foi, 
das velhas cozinhas de Várzea, 
com seus fogões à lenha, 
cascas de laranja secas, 
atiradas aos caibros, 
penduradas na cumeeira, 
usadas para acender o fogo. 
Bule de café borbulhando, 
biscoitos, tapiocas 
e bolachas regalias,
lenha crepitando no fogo, 
um bom bocado de cheiros 
da fumaça e dos bolos
E um magote de inquietos 
meninos e meninas 
de  bochechas rosadas, 
satisfeitos com os grudes, 
sequilhos e brotes à mesa. 
Minha alma tem saudades 
desse tempo bom
rebuscado em cheiros, 
ruídos e temperos.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

VENDEDOR DE PIRULITOS


Perambulei pela rua grande
da minha cidadezinha,
 rua abaixo, rua acima  
sem ser vazio no interior, 
não fui vagabundo,
passava sebo nas canelas, sim,
mas não para ter pernas vadias.
Ia pelos becos, praças e escolas
de tabuleiro cheio de pirulitos.
Eu fui vendedor deles
quando a vida me vestiu de calça curta,
tão inocente, imaculado tal qual caramelo,
tão puro moleque, eu cria em atravessar o tempo,  
a salivar desejos numa vontade doida que só vendo
de cair de boca, de língua afiada por uma lambida de leve,
lambuzada frenética, acordada, afoita tão sonhada
de permeio, na tábua de puxa-puxa de dona Zidora,
que me carregava a descolar alguns trocados
pelas quatro bocas da Várzea!
Mas, ao cair da tarde, de quebra,
nenhum pirulito sobrava no tabuleiro
Vendia tudo... restava só a tábua em frestas
Preenchida só de furos.
E eu, na seca, com água na boca
a chupar o dedo quase feliz,
mesmo sem um fio de confeito,  
mesmo não tendo sobrado
nenhum rasgo de doce pra mim!
Assim, logo-logo voltava pra casa
tábua vazia, missão cumprida, no pulso,
contente da lida, refeito, uma mão na frente
e outra na tábua esburacada...
E ao fim, ganhava uns trocados
que me ajudavam a comprar guloseimas
na padaria de 'seu' Nenê Tomaz de Lima.
Certo dia vendi quase nada,
mas não voltei de mão abanando,
esqueci-me de pensar na consequência, e zás! 
Eu lá era menino de levar desaforo pra casa! 
Num vapt-vupt, resolvi dar cabo ao meu intento.
Travesso, usei da gula tantas vezes reprimida, 
com gosto devorei toda a tábua,  
sem me preocupar com papéis, ao sabor
de balas ao dente, puxa-puxei, com cautela
para não quebrar o queixo.
Até grudei no céu ao deleite,
até a boca arrepugnar,
até enjoar de tanto doce.
Mas quer saber de uma coisa:
nunca me arrependi
do desenrolar deste acontecimento!
Fui vendedor de pirulitos, sim,
e num belo dia me fartei deles!

terça-feira, 18 de outubro de 2011

PRA' TODO DIA: CORAÇÃO A PASSARINHO


O ovo do pintassilgo
Fecunda o tempo...
O pássaro das horas
Mergulha fundo
No açude da memória.
Ensaia um voo rasante 
Da velha infância à maturidade,
Só para trocar as penas.
Depois, abre os olhos
Para fugir do alçapão
E do abate das pedras de atiradeira.
Mas se um estilingue o acerta em cheio
No alvo, ele sangra que sangra baleado.
E cuida de sobreviver aos ferimentos, conserta-se.
Por si só, trata logo de se recompor,
Apesar da asa quebrada.
De sorte, ainda lhe resta uma para decolar... 
Ainda bem que traz em si um coração-moela
Que, amiúde, o ajuda a triturar as perdas.
E, outra vez alado, reaviva-se ao concerto:
Ajunta aqui e acolá os pedacinhos
E acerta o (en)canto, refeito dentro do alto.
Permanece então maravilhado
A contemplar a beleza que há
Nas coisas simples da sua Várzea,
No aguardo do eterno instante
Em que irá se deitar, de certo,
Assim como descansa o dia
No crepúsculo que se atira
No açude do Calango.

domingo, 16 de outubro de 2011

HIPNOSE


São tantas rezas,
são tantos santos
santa intercessão,
mas não consigo me salvar
da bala perdida deste teu olhar
da tua boca que há muito me caça 
a salivar, a cuspir palavras bonitas,
querendo meus horizontes emoldurar.
Certamente não demoro a cair no teu laço 
feito um patinho hipnotizado
pela abundância de tuas tintas,
acabo no fojo feito um cabrito 
indefeso, aguardando ciente
que vestida de loba 
logo venhas me buscar
só para me devorar inteiro, nu e cru,
anestesiado que fico, de súbito,
só de encarar tuas presas afiadas,
escondidas sob tua língua bifurcada.
Não sei como parar teus venenos
e divagando, ainda insisto em me agarrar 
na esperança de me socorrer, de livrar-me,
mesmo que seja demasiado tarde.
Ainda faço fé de te encantar, serpente,
e fazê-la sumir pela mata a dentro,
sem mais ser tentado a provar,  feiticeira,
de tuas maçãs verdes!
Mas por enquanto me deixo levar
guiado pelos teus astutos instintos,
E de afago em afago, fugir não consigo,  
apenas consinto a me achar perdido, sem luta,
e acabo sob o domínio de tua flauta, encantado,  
apenas acompanho teu movimento insinuante
como que enfeitiçado sob uma sinfonia de naja,
preso à tua dança do ventre, esqueço-me 
até de suplicar, mas de nada adiantaria,
já que cobra é mais de vibração que de escuta.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

PORTA-POESIA


Eu porto bandeiras, cartas, chapéus
porto estandarte e alegria, de passagem
porto malas, retratos, respostas, voz.
Porto lembranças que duram
Estou no cais das idas e vindas, 
sou veleiro em flor.
Porto mudanças e estações 
Porto vidas inteiras, buscas e rotas 
Porto olhos marejados, lenços e adeus 
em partidas e chegadas
Porto amores, laços, esperanças, dores
Porto sentidos, consentidos ou vãos
Porto sóis, luas pingentes e penumbras
Porto astros, lábios, nortes 
bússolas e viagens
Porto náufragos e garrafas de SOS
Comporto mapas adversos e temperança.
Não estou apenas portador da poesia,
Eu careço de escrevinhar, 
a contento vice-versando, não me contenho, 
e uno opostos, num átimo de segundo. 
Eu preciso chegar à alma das palavras, e as acho.  
Se deserto há, é aí que me encaixo no meio
de me achar num oásis farto,
porque tenho sede de letras
que me abrem um clarão na lida  
que só me saciam em palavras que escavo 
que escrevo com afinco, 
que bem me apontam 
o lápis da Poesia.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

MEMÓRIA DA TERRA

O galo já cantou tantas vezes.
Espreguiço-me a levantar
Sob o raiar do sítio do Vapor
Que tem o terreiro coberto de pólen
Entre flores de laranjeira, 
Folhas e frutas caídas de maduras ,
Pavões e aves a ciscar.
Coloco os chinelos nos pés. 
Rezo, desperto ao refazer minhas preces.
O canto dos pássaros traz o alvorecer.
Abrem-se portas e janelas, 
Destrancam-se cancelas.
E eu completamente embevecido 
Pelo orvalho das árvores que cintilam ao sol.
Não há vazios por aqui.
Cruzo as estradinhas de terra, 
Sinto o cheiro do mato, adentro, 
Vou em direção às onze-horas
Que colorem o jardim da casa de farinha.
Apanho umas espigas de milho-verde
E uma cesta de feijão-de-corda. 
Não há vazios por aqui. 
Há, sim, um cheiro de café com broas de fubá.
É fantástico sentir crescer meu poema,
Enquanto me vou preparando à lida.
Cresce, ocupa o meu lugar no sítio interior.
Desloca-me o coração de moleque, deita-lhe asas,
Expulsa-me do ninho dos canários, 
Dá-me firmeza pelo ar e chão.
O poema quero-quero está pronto. 
Tetéu em voo rasante, até agressivo,
Tentando defender seu espaço.
Eu pintassilgo assim, bem-te-vi a (en)cantar .
Eu sabia que ao escrevinhar memórias da Várzea
Eu acabaria rouxinol a entoar minha sina.
Mas devagar com o andar, 
Que o João veio do barro,
Mas traz no interior um inquebrantável 
Coração passarinheiro!

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

A OUTRA FILHA DE DEUS (DANÇA AO DEUS DARÁ)

E lá se vai a rapariga
abandonada à própria sorte, 
aguardando as coisas vindas de Deus, 
limitada ao que Deus dará
pelos meios-fios da lida,
desnuda ou toda vestida de seda
a saltar alto no escuro sem guia,
encarnando deusas em batons e meias
em neons a realçar purpurinas,
ao passo que a noite lhe deita galas,
por fora, enfeite de plumas,
por dentro, a dor nua inflama.
Por que a julgas
e tanto a condenas?
Por entre verbos, falas e sapatos
desfilam-se egos de luxo, barganha, 
diamantes falsos, seres de favores
que tentam expurgar suas culpas, 
que usam máscaras para escapar
do foco das putas, mas programados 
se orientam a seus serviços. 
Depois mantém a distância
como se estivesse infectada.
E assim mais turbam o anteparo 
do destino que a sorte lhes impera
jorrando mais sombras às bermas, 
aos becos, viadutos e calçadas 
e aonde mais se prestem 
a rodar as bolsas as raparigas. 
O consentimento parece assaz simples. 
Assim, contudo, não se faz, a vida é dura
 o sacrifício é longo, é sem mensura 
o maltrato com alças de fora. 
O corpo em transe se encosta nos muros, 
Ampara-se entre a entrega da carne,
em nus ovários cheios de violência, 
na dor que abunda que não é de ninguém, 
enquanto outros não se escutam 
no eco estridente das paredes
quando a dama lhes grita:
Como desistir da vida?
Como largá-la, me diga
se dela abrindo mão, vem a sorrateira 
de cara apaga a vela?
A dor é minha!
E o dó de quem? de Deus!? ora bolas!
Ou achas que Ele também não é meu?
A censura é tua. É crua a escola.
Engulas!
Mulher de vida fácil
que fácil que nada!

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

O Voo do Colibri

"Assim, consigo ganhar 
o mundo!
Ao longe e ao perto 
desbravo 
o horizonte 
que treme-treme 
em minhas asas.
Encontro-me, 
dentro do alto, firme."
João Ludugero
Sabe de uma coisa,
sabe que eu ando assim
parecendo aquele pássaro
que brinca de helicóptero...
Eu vou pairando no ar,

dando sentido às palavras sisudas.
Calado, elevo-me, não carrancudo,
sentindo letras em néctares
saindo da penumbra da moldura
feito disposto colibri de flor em flor,
pensando em beber o arco-íris,
desses que as tintas do sol 

tingem em gotas de chuva,  
compondo-me um pote de alegria avivada
em redonda ressonância.
Acho que ando afoito redemoinho
a se perder sem destino no céu
com o desejo de ser aragem
a me perder por aí, poeira, pó,
bem mais que brisa de passagem,
consentindo-me a ficar de bobeira,
à toa na vida, vaidoso avoante ao léu.
Assim, consigo ganhar o mundo!
Ao longe e ao perto desbravo
o horizonte

que treme-treme em minhas asas.
Encontro-me, dentro do alto, firme.

O rosto da terra se renova em lavras.
Liberto-me embevecido em orvalhos.
Um ouvido desperta noutro ouvido,
uma língua se acentua noutra língua
a pulsar desejos em órbita e poesia.
É para o meu bico esse ardor soberano
que me dita inebriantes palavras

que afinal me dão azo ao voo,  
quando eu quero é mais 
perder largamente o juízo!

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

MENINO DA VÁRZEA: DESATADOR DE NÓS EM POESIA


Eu venho de lá da Várzea
Sou filho da terra do agreste verde 

Que o riacho adoça o mel,
Seara do umbuzeiro e do caju
Do vaqueiro valente e do laço
Que amansa o gado bravo
Que não perde as estribeiras,
pois é desatador de nó de promessas
Eu conheço cada palmo de esperança
Renovada nas ladeiras que levam ao Vapor
Sou as bermas da estrada de quem ficou só
Sou o espaço que o tempo chama de saudade,
Sou aquela tarde amena na calçada da igreja
Eu sou a nova esperança que não virou pó
E venho socorrer a quem me chamou às quatro bocas
Eu sou desatador de encantos, estou na boleia
Do carro encantado junto à mulher que chora
Eu sou menino, sou a lenda que não morre à toa,
Sou lembrança de criança sem medo de papa-figo
Eu dou nó em pingo d'água, abro caminhos, 

Afasto encostos e desabrocho a rosa-dos-ventos;
Eu canto ao tecer poesia e amarrações de amor
Desato os nós do pensamento
Eu venho pra jogar na ribanceira
Toda a mágoa, todo o desamor e estancar o tédio
Eu sou futuro, sou presente, sou varzeano de estirpe,
Sei de tudo quanto por aqui passou,
Do grão de areia do rio Joca 

Até o verde-musgo do Calango,
Açude de lembranças, eu sou seu admirador
Eu sou bondade, sou vontade de 'varzeamar'
Até a quem aqui ainda não chegou.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

CARAMELO

Ilustração: "Bolhas de sabão" de Edina Sikora.

Estou assim, assim... bolha de sabão
sou tal qual algodão-doce flutuando...
como dizer para ficar palpável, como 
se entretido vejo carneirinhos nas nuvens
e até a meia-lua inteira aparece mais cedo
pingente no céu da tarde amena 
a me sorrir crescente? 
Homem feito, e tão criança, 
vou enfiando os dedos nos doces e cremes 
lambendo a batedeira do bolo 
que acabou de ir ao forno.
De cara suja, vou me derretendo
na malemolência de puxa-puxas
e me lambuzando nos grudes de amido,
com a caramelada, voo alto me amando assim,
consentindo-me a brincar, travesso vou longe 
aprumado em meus pés de moleque,
com ânimo pleno e descontraído,
pois ainda sou eterno menino levado da breca
atravessando meus sonhos acordados
como numa guerra de travesseiros.
Eu tenho um coração quente à toda prova,
que não me leva a vida em banho-maria,
que me faz sentir firmamento na lida,  
que me aquece até ficar derretido,
malemolente, líquido, cheio
da penumbra das palavras sisudas.
Sei que o que me toca é a poesia,
essa parte de mim que nunca é muda,
que me inflama inteiro de contente, de súbito, 
que não me deixa morrer à míngua ou de véspera,
sou feito aquela planta que reverdece após a poda.
Sou casca espessa, e grossa que só vendo!,
só pra me proteger das línguas de fogo
e das flamejantes labaredas.