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sexta-feira, 29 de outubro de 2010

UMA ESTRELA CHAMADA JORDANA

Autor: João Maria Ludugero

Jordana, minha filha, sejas assim
Sempre uma pessoa inteira
Luminosa estrela 

De primeira grandeza
Eterna candeia a ofuscar as sombras
E prevalecer acesa sem medos do escuro
Sem jamais temer aos calafrios
Que dão na espinha quando
Ganhas espaço e acabas voando

A acordar teus sonhos e alvo
E que ainda plena e verdadeira
Afugentes do teu caminho
A linha do impossível
Que debeles o arco do invisível
E na aventura, ainda vestida

No teu maiô azul, por mim antevisto,
Faças dos sonhos a arma mais certeira


Que tu , ó Majella, venças assim
Sem receio aos mitos do invencível
Fazendo bom uso da
força e munição
Do teu coração gigante, tua arma maior,
Sem nunca deixar se apagar esse ávido pavio,
Essa chama perene, infalível, esse amor
Que derrete qualquer iceberg
E ainda aquece, feito ardente fogueira,
A alma da gente que carece de tua mão  

Que jamais abandona aos que estão
Prestes a morrer de frio no abismo 
Ou afogando-se nas ondas de um mar bravio
Como bem lembrado do episódio da Redinha
Em que, no uso de tua coragem, salvaste um amigo!

VÁRZEA: "VENTURA VENTIS" ( VENTOS QUE VIRÃO)

Autor: João Maria Ludugero

Voltar a Várzea
É sentir-se em casa,
É molhar os pés no rio
É lavar a alma
No açude do Calango.
É assim como querer
Nadar dentro dele
A vida inteira.
É tanger do peito
A saudade atroz
Num galope rasante
Sem rédeas,
Sem esporas...

É deixar o corpo voar
Pela Vargem afora,
Sem pressa nenhuma,
Sem hora para voltar,
Quando o canto nos encanta
Por derradeiro, de súbito,
A nos levar por toda cidade,
Numa alegria que nos preenche
A cavalgar novas esperanças
Sempre dando espaço ao tempo
E aos novos ventos
Que virão a imperar
Como uma luz que atravessará
As sombras e fará brilhar
Toda a Brasiliano Coelho!

REGALIAS

Autor: João Maria Ludugero

Confesso, não estou de brincadeira:
Eu passaria a vida inteira
Debaixo do pé de graviola
Comendo tapioca de coco,
Bebendo caldo de cana,
Degustando pipoca,
Beiju, grude, macaxeira frita,
Espetinho de queijo de coalho
Carne de sol na brasa
E um bocado de bolachas
Regalias com café feito na hora
Em fogão de lenha
Eu só queria
Uma casinha caiada
Ali na beira do rio Joca,
Um banco de madeira
Pra sentar e jogar
Conversa fora junto
Com os amigos e vizinhos,
Espreguiçando-me
Numa cadeira de balanço
Contemplando de perto
São Pedro apóstolo
No topo da igreja
E as duas velhas palmeiras
Alçadas para o azul
Do céu anil da minha Várzea!
Eu passaria a vida inteira
Feito um passarinho
Assim bem-me-vejo,
Não é brincadeira!

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

PORES-DO-SOL

Autor: João Maria Ludugero

A saudade chega
Com o cair da tarde
A dor atravessa a Brasiliano Coelho,
O tempo passa arrastado,
Onde crianças crescem,
Onde novas ruas nascem
Eu apenas continuo - margem
Eu e esse silêncio atroz
Que me despedaça o peito,
Toda tarde quando o sol se põe
A inundar minha mente de miragens
Levando-me a fazer viagem
Nas asas desse pôr-de-sol
Encarnado feito brasa em fogaréu
A me arremessar lodosos seixos
Na lâmina da água verde-musgo
Que aveluda o Calango,
Atirando-me fundo
Nas lembranças da minha Várzea
Que se vão no desvão do tempo,
Muito além do paredão do açude.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

VELHA ALGAROBEIRA


Autor: João Maria Ludugero

Algarobeira velha
Da praça do encontro,
Tantos já se foram entre Louros,
Pereiras, Pau-pedras, Carvalhos

Florêncios, Bezerras e Coelhos...
Tantos já voltaram
E outros já cumpriram
Aqui sua jornada
De uma vez partindo
Pra outra estação,
Enquanto que tu, plantada

Pelas sábias mãos de dona Zilda,
Continuas de pé, enverdecida
No centro do passeio público
Assistindo a tudo sem se revoltar
Renovando as folhas,
Virando a página da vida
Purificando o ar
Da minha Várzea,

A Cidade da Cultura,
Faça sol, faça chuva!

Ó, velha algarobeira,
Sinto que por ti passo
Resistindo ao tempo
Na primavera da lida, dia-após-dia,
Segue meu coração nunca mudo
Nas rédeas dessa poesia
Que jamais se cansa
De tantas viagens
Desde tua sombra
A lúdicas paragens

Eu sei, preciso desopilar,

Eu sei, preciso desacelerar...
Meu corpo carece descansar,
Sentar no banco da praça,
Ser tal qual aquele menino
Da livre, leve, solta e velha infância
Que na rua queria brincar,
Fazer logo girar sua ciranda,
Jogar bolas de gude, teco-teco,
Pra que a alma não ficasse calada
Para que a fantasia não secasse
Para fazer o dia regressar
E a gente poder pintar o sete,
Antes do breu tingir a noite.

Até que toda aquarela
Passe a descolorir
Na ausência dessa luz
Que não vejo noutro lugar
Que abre um clarão necessário
No cerne da nossa Várzea
E faz real o nosso sonho,

Afastando os enfados,
Reavivando as nossas esperanças!

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

ALVORECER















ALVORECER
Autor: João Maria Ludugero

Várzea,
Minha Várzea,
Contigo não sou vazio
Me preencho
Me sacio
De vida e de coragem,
Assossego o coração,
Relaxo
O corpo
E o espírito

Quando me chegam as sombras
Quando cai o breu da noite
Quando tudo parece escurecer,
Quando tudo aparece cinzento
Ou em branco e preto,
Recorro ao teu aconchego
Sinto-me firme,
forte e destemido

É aí que sinto tua mão
Encostar na minha cabeça,
A me fazer cafuné,
Me acalmo, durmo tranquilo.
Sei que está chegando o dia
Só pra tudo de novo alvorecer!

DEFINIÇÃO DE RIQUEZA

Autor: João Maria Ludugero

Acerca de bem viver a vida
De verdade, tenho base sim.
Eu bem sei o que é
E não poderia ser diferente,
Pois isso tudo não tem preço, não!
É viver as coisinhas simples,
Que tanto bem trazem à alma da gente.
E isso não tem dimensão,
Não tem quilate,
Não tem parâmetro.
E, com toda modéstia,
Com toda pureza da alma,
Digo mais:
Essa felicidade é
De causar inveja
Porque gente rica
é a da minha Várzea.
E para sentir, de fato,
Essa veracidade, de perto,
Muitos abririam mão
Até de diamantes!

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

A FORÇA QUE NOS UNE


Nas águas de Várzea 
Aprendi a nadar
Tomei banho de rio
Lavei meu coração
Nunca imaginei 
Ir embora do teu chão.
 

Minha Várzea,
Minha cidade-casa,
Contigo aprendi a voar,
A fazer poesia, me reinventar,
Viajar no teu pôr de sol,
Escalar o azul do céu de São Pedro.

Correndo na tua Vargem, 
Destemido, criei asas, 
E, mesmo de alma penada,
Voei longe, léguas e léguas
Vim parar em Brasília
Por força do destino. 
 
Aonde mais ele quer  me levar?
Por motivo de força maior
Sei que um dia estarei de volta a ti
E nada mais vai nos separar!

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

NÃO ME CANSO DESSE AMOR!

Quem ousaria dizer
Que bato na mesma tecla
Cem repetidas vezes
A versejar sobre minha terra,
Que meu lugar sempre
Domina todo meu poema,
Que repito e não me canso
De falar de Várzea,
Como quem carece
De arejar o peito,
Encher os pulmões de ar
E sorrir satisfeito por dentro
das linhas que escrevo?

E digo mais, indo além,
Sem levar a pecha de cabotino,
Que, não fosse pela minha poesia,
Eu vegetaria na inércia,
Sem raiz, emudecido.
De tal modo, cairia no vazio
A sepultar em cova rasa
Toda a potência
Do meu eu-varzeano,
Germinada neste chão
Guardado pelo apóstolo Pedro.

Por isso é que pelejo
A escrever tantos versos,
Tantas palavras, só pra dizer
Que a poesia é a minha tinta
A colorir, a retratar minha Várzea,
Meu solo, minha terra de origem
No intuito de deixar, e deixo,
A quem possa interessar,
De herança um pouco do muito
Que foi, é e pra sempre será
Essa longa paixão,
Esse amor verdadeiro
Que sinto por esse abençoado lugar!

PODAS















Quero ir pra minha Várzea
Meu interior me chama
A saudade é sem parâmetros
Tirei o traço na trena,
Com lágrimas debulhadas no rosto
Tive aneurisma aórtico,
Consertei meu coração,
Costurei minhas feridas.
Meu troféu, minha cicatriz
Trago estampada no peito
Vivo o riso ou vivo o drama

Toquei fogo na fornalha,
Saí de foco, não de cena,
Rezei com fé a novena
Que aprendi na minha Várzea
Mandei flores pra mim 
Mesmo, renasci, nasci de novo,
Sobrevivente, com orgulho,
Não nego minhas raízes,
Sou menino varzeano

Sou corajoso e não tristonho
Vivo a pelejar na lida,
Afasto as ervas-daninhas.
Quanto mais podam as folhas
Da vida, ainda mais 
Brotam meus sonhos...

domingo, 17 de outubro de 2010

DE PASSAGEM

E quanta gente viveu ali
a cumprir sua lida, sua sina
E nossa Várzea continua de pé
Com suas casas caiadas
Com seus becos e ruas
Seus paralelepípedos
Com sua paisagem
De esperanças renovadas
É a ordem natural das coisas
É a ordem natural da vida
Que pede passagem
Que segue como um rio imutável
cumpre o seu destino;
como a algarobeira fixa há decadas
Ali na praça do encontro
Que vive a alegria
e o drama das pessoas,
mas sobrevive e continua
a vegetar impassível;
como a certeza de um dia
ensolarado ou chuvoso
pouco importa, pois
o dia é sempre presente,
um presente de Deus,
o Supremo Arquiteto
de Todas as coisas.

sábado, 16 de outubro de 2010

O ITAPACURÁ E A CASA DE TAIPA
















Eu tive um tio (que Deus o tenha)
Chamado João Pequeno
Que morava lá no Itapacurá
Onde levantou sua casinha de taipa,
Construída num sítio
Chamado Recanto da Felicidade.
O tal casebre tinha piso de terra batida,
Fogão de lenha,
Chaleira de ferro
Cumeeira entisnada
Telhado enfumaçado,
Banheiro no terreiro
Banho de bica de bambu,
Potes, jarras e tinas de barro cozido
Para armazenar água fresca

Na sala-de-estar,
Logo na entrada, quase
nenhuma mobília.
No meio da sala,
Um curtido tapete
De couro de cabra,
Dois tamboretes,
Um comprido banco de pau-ferro
Mesinha do santo,
Um enorme rosário de madeira
Adorno de flores de plástico 
Espreguiçadeira,
Rede de algodão cru
Enroladinha no torno,
Lamparina a querosene
Cadeira de balanço...
E, no centro de tudo,
Um quadro de crepom
Emoldurando a Sagrada Família.

VENHA PRA CÁ!

Autor: João Maria Ludugero

Venha pra cá,
Viver a nossa Várzea!
Viver o agreste!
Viver com nossa gente,
Povo hospitaleiro
Povo persistente,
Que, seja no estio, na seca,
Na cheia, na enchente do rio
Com fé, sempre mostra a coragem.
Com a confiança,
Avança em renovada esperança
Neste solo do agreste verde

Viva a nossa Várzea,
Viva o nosso torrão potiguar!

Viva o preá!
Viva o verdejante juazeiro
Viva o canário-da-terra
Viva o roçado do Vapor
Da lavoura de subsistência
Do agricultor
Que na dura lida,
Sustenta a vida
E da plantação
Retira o seu pão:
A farinha da mandioca,
O jerimum, o milho e o feijão

Viva o rio Joca!
Viva o açude do Calango.
Viva o Itapacurá
Viva o tejuaçu
Viva o Maracujá
Viva a macambira, o Gravatá
Vivam os cactos, o Trapiá,
As juremas, os mulungus
E os marmeleiros.
Vivam estas plantas
Que pouco podem encantar,
Mas que são o fiel retrato
Do homem do mato,
Que do clima quente
É sobrevivente, sim senhor!
Calorosa gente-gente sangue bom
Neste solo agreste, 
Da nossa amada Várzea
Que tem mais flores
Porque as cultiva com mais amor,
Não é mesmo Seu Odilon?

O POETA, O RIO, A CRUZ E AS ALMAS

 Autor: João Maria Ludugero

Eu lanço a rede
No fundo da memória,
Revolvo as águas da consciência,
Trago à tona a pesca compulsória
Peço a intercessão das almas varzeanas
Mais queridas, sem citar nomes,
Apenas penso nelas, como estrelas
Que estão além do azul anil do céu
E eu cá com meus anzóis,
Acabo por encher meu samburá
De poesia, sonhos e outras alegrias

Quisera eu, então, por um momento,
Abrir as comportas do meu coração
Só pra encher de amor o fundo dessas águas
De tantas lembranças e salobras saudades
E não é que me pego a versejar
Diante da Cruz do rio
Que deságua no Joca!

Daí, eu poeta-pescador, pássaro
Em pleno voo rasante, firme
Alvo estabelecido: o amor
Fisgo o esperado peixe.
Almoço feito!

COISAS DA TERRA
















Mastruz e erva-cidreira 
debaixo dum pé de graviola
um dedo de prosa
rachaduras no pé
sebo de carneiro
borregos e cabritos a pastar
na Vargem, meninos jogando bola
um chiado de porteiras nos Seixos
forno e fogão de lenha
galinha caipira e farofa
estradinha de chão de Zé Canindé
Riachos de mel e umbu-cajá

Manga madura caindo do pé
ariscos que se abrem em água doce
um cego a tocar sanfona
caminho do Itapacurá 
pitomba boa no cacho
quadradinhos de queijo de coalho
beiju, tapioca e manteiga-da-terra
um canário cantador 
carro encantado no Vapor
mulher que chora
lenda de esperanças novas
 
Paisagens da minha Várzea,
interior que me chama...
E, não tem outro jeito,
ponho-me a viajar, 
Voo já pra lá, acalmar 
a minha alma, arrefecer
meu peito que todo se inflama!

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

POR TRÁS DA IGREJA AZUL


Autor: João Maria Ludugero

Já morei na rua São Pedro
Rua da poesia
Rua de trás da igreja
Rua que abre caminho ao rio Joca
Rua que me deu belos dias
Rua de doce melodia,
Quebra-queixo, puxa-puxa e caramelo
Onde os versos ornamentam as janelas
De frente para as verdejantes acácias


E quando caía a noite,
A gente contava as estrelas
Sentado ali nos degraus 
Da calçada da igreja, 
Acompanhado pelas rimas
Na presença da lua que descia
Enquanto as palavras prateavam
A imaginação e outras tintas
Como quem pinta sobre a tela
E tudo ficou guardado na memória:
As lembraças, a infância, o querer crescer

Morei na rua São Pedro,
Ali na minha Várzea da poesia
Na rua onde se pode renascer
Na escrita, doce e rica de melodias
Desta herança que nunca há de morrer

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

MEIA VOLTA INTEIRA, VOLVER!
















MEIA VOLTA INTEIRA, VOLVER!
Autor: João Maria Ludugero

Várzea, Várzea!
Eis o teu filho de antigamente:
Aqui o tens restituído.
Não faças cerimônia,
Não tenhas medo
Podes chegar,  faças cafuné,
Pois ele é de casa.

À porta, nem precisas bater,
Podes entrar, aproximar-se
Sem requerer maiores cuidados,
Ele já se alojou na sala de estar
Sacudiu a poeira, o pó dos retratos,
Armou a rede de algodão, assoviou,
Improvisou cantigas, em alto e bom tom
E largou seu coração pelos corredores,
Pelos vãos da casa de dona Dalva,
Agora, no céu estrela, sim, ela mesmo,
A inesquecível dona Maria de Seu Odilon

Tenha medo, não, pois o coração
Deste homem não é de vidro.
Senão, há muito tempo
já teria virado cacos.

Ele foi construído
Sob a amálgama varzeana
Nessa matéria que é barro, água e areia
Caso contrário, numa queda,
Fragmentar-se-ia
De forma incrível.

Eis o teu homem, minha Várzea!
Pouco mudado:  mais experiente.
Nem mais altivo, nem mais cansado.
Continua aquele eterno menino varzeano,
Apaixonado, que, sob a pele morena,
Volta pra reabastecer seu espírito
Na paz que só existe no seu lugar.
Ciente de que conheceu tanta coisa lá fora,
Deu a volta no mundo, fez longas viagens.
Estranho, mas no seu corpo, não satisfeito,
Navegando em suas veias,
Refletida no seu rosto,
Bateu uma saudade danada

E não houve outro jeito:
Selou seu destino, montou na garupa,
Num bater de cascos incansáveis,
Volveu os olhos dilacerados,
Sacudiu seu baú de lembranças
E num galope desatinado,
Veio ao encontro da sua Várzea.
E quem foi que disse que algum dia
A alma deste homem saiu dali,
Do colo da sua terrinha mais que amada?

OÁSIS DO MEU CANTO


Meu poema é reza
De agradecimento
Pelas cacimbas
Que minam, 
sem tréguas,
Da mira de ideias
Da minha imaginação,
No intuito de matar 
A minha sede
Nas águas dessa saudade.

Saudades, 
Salobras águas 
Buscadas 
Em leito profundo,
Oásis de mim, 
Nascente nunca vazia,
Sangradouro 
De lágrimas 
Debulhadas 
No meu rosto...

Vertente cavada na areia
A léguas e léguas 
Distantes d'acolá,
De lá onde passa o rio Joca...
Rio que banha minha cidade,
Rio que fertiliza minha terra agreste
Rio que traz mais vida ao meu lugar
Rio que faz nascer a flor do campo
E deixa a nossa Várzea mais bonita!

terça-feira, 12 de outubro de 2010

COM A MÃO NA LIDA E O PÉ NA TÁBUA


Autor: João Maria Ludugero

Ó, Minha Várzea, 
Se tu soubesses,
Como foi meu desencanto
Quando fui embora de ti...
Quando pude conhecer
De perto o caminho da solidão,
que riscou com faca de ponta
As linhas da minha vida
Nas lidas da minha mão

O destino fez-me coisas diferentes,
Empinou luas cingidas
Longe do céu varzeano,
Cortou-me tranças, à força,
Tal qual Dalila a Sansão.
Deu-me nó cego no peito
Fez-me cortar o coração

E agora a minha poesia
É o que me resta, de certo,
É o que tenho pra me segurar,
É tábua de salvação!

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

CARROSSEL


Autor: João Maria Ludugero

Meus sonhos não envelhecem
Meus olhos castanhos 
Sonham verde ciranda
E com esse verde sonhar
Emoldurando meu rosto,
Pego carona na poesia
E viajo, com os pés no chão,
Descanso no voo, impaciente
Querendo girar o carrossel
Abro no peito colorida alegria

Nos anos que se foram,
Não perdi minha velha infância 
A tristeza não me alcança,
Corro e brinco com o futuro
Nos campos da minha terra,
Onde ainda sou criança
 
Nada alcança meus sonhos,
Que voam rasantes, desenfreados.
Pousam somente aqui
Na minha doce Várzea amada
As letras falam, eu versejo
E vejo as nuvens de algodão
As palavras tomam forma
Tão logo,  pego o céu com a mão

A VARGEM ENQUANTO MEMÓRIA

Autor: João Maria Ludugero

A Vargem, nosso antigo espaço de lazer, que representava a origem do nome da cidade, onde a gente se reunia para viver o dia-a-dia, viver em sociedade, em seu aspecto gregário e lúdico, está cada vez mais  cercada, invadida. Com isso, a cidade quase que perdeu aquela paisagem.

Que bom, que maravilha, que hoje outros espaços esportivos foram construídos no âmbito da Cidade.  Todavia, com a "quase" extinção da Vargem, houve uma quebra das antigas referências e assim se apaga os rastros de uma memória social construída na cena pública varzeana.

Eu gostava de observar a Vargem. Sempre achei aquele espaço acolhedor, bonito até quando tomado pela  enchente  do rio. Houve um certo descuido e abandono àquele espaço  natural. Não houve mais por que preservar a paisagem se os elementos que eram expostos não foram capazes de sugerir um laço com o passado, numa luta pela preservação da memória cujo resultado todos conhecemos, mas temos dificuldade de aceitar. A Vargem já não representa aquele espaço para aquela pelada de futebol e o desenvolvimento de outras atividades desportivas, foi invadida quase que totalmente por currais e cercas. 

É uma pena, pois centro dessa discussão, encontramos a memória varzeana. A memória enquanto um instrumento de preservação de um determinado espaço social. Esta sim, prevalecerá, pois não haverá de ser abandonada ou ameaçada de perder-se no tempo, uma vez que a Vargem foi um espaço de vivência de uma memória compartilhada por um determinado grupo social, cujos campos de significado podem ter uma localização espacial e temporal. Portanto, ao analisarmos a paisagem, não estamos fazendo aqui simplesmente uma avaliação de sua qualidade estética, mas levando-se em consideração as razões históricas, sociais, culturais e emocionais pertinentes

Hoje os dias são outros, nossa cidade de Várzea respira outros ares. Mas não custa deixar registrado que, neste caso, ações coletivas ou até mesmo reinvidicações individuais, teriam falado mais alto para a solução do problema se os principais interessados tivessem, à época, outra visão, com olhos voltados  para a preservação daquela área. Talvez uma manifestação popular tivesse surtido um grande efeito e gerado, como corolário, circunstâncias impedientes ou inibitórias como estratégia adequada a fim de salvaguardar nossa identidade construída a partir daquele lugar - a Vargem.

domingo, 10 de outubro de 2010

IRRESIGNAÇÃO

















Autor: João Maria Ludugero

Hoje diante de mim,
Não me senti 
Nem moço
Nem mais velho,
Apenas irresignado 
Diante do espelho

De fato, distante de ti,
Minha Várzea, 
Sou tal qual
Aquele passarinho
Que se desviou da rota,   
Que, noutro chão de cantigas,
Mais vegeta do que vive.


Pareço aquela ave do agreste
Que, de asa quebrada, 
Com a alma penada,
Foi levada pra longe 
do seu ninho!

O FIO DO PUNHAL

E me chegam as lágrimas
Que serenas caem 
molhando meu rosto
Toda tarde em Brasília
Quando o sol se vai
Emoldurando a saudade

A saudade é um punhado de dor
que maltrata, desanima,
Enfrento esse punhal afiado 
nos versos desse poema
Que ora insisto em cantar
para afastar sua lâmina
ou no intuito de estancar o corte


Eu faço poesia até sem rima
E canto assim mesmo,
Reinvento matéria-prima
Só pra seguir meu caminho
E arredar empecilhos.

Meu canto é incansável,
É melodia de pássaro sobrevivente
Que noutra seara montou domicílio.

sábado, 9 de outubro de 2010

ÁGUA DE LUA E FLOR

Só queria que soubesses
que não servem
só cravos e rosas,
quero também outros aromas,
quero também raras essências
e cores para enfeitar esse acalanto,
pra consolar teu pranto
na hora em que a lágrima cair

Quero lírios e alecrim,
também águas bentas
E alfazemas para abrir
caminhos e o teu corpo fechar
aos quebrantos e às transitórias
amarrações do amor,
aos encostos inesperados
dos dias cinzentos;
quero me banhar no império
desses cheiros intensos
e capturar tua alma inquieta
nessas flores inocentes
só pra te libertar sem censura,
entranhar no teu corpo, bem-estar,
em suma, prender-me inteiro, sem frescuras,
sem estranhar os novos lumes
que me tiram do escuro das brumas
assim como se captassem, de súbito,
a branca alma da lua cheia
banhando de prata o anoitecer!

VIDA SIMPLES ASSIM

Autor: João Maria Ludugero

Minha Várzea das Acácias,
Teu povo tem o coração nobre
Tem singular beleza
Tem esperança nova 
Tu és um espelho, um exemplo
De que simplicidade
Rima com a felicidade,
Com dignidade...

Contigo aprendi 
A ser melhor que eu,
Aprendi a olhar de frente e verso,
Ensinaste-me a ver
O que mais importa, ser 
Ser mais que ter

Veio de ti, minha Várzea,
Esse amor que longe vai
Esse tesouro, essa mina  
Que não se exaure nunca
Renovarzeada menina, 
Venha, me nina,
Dai-me sorte, sempre,
Fazei-me ser real meu sonhar,
Renove esse brilho, essa luminosidade
Que de mim não sai!

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

DEPORTAÇÃO















Só sei de uma coisa
Que todos já sabem:
O destino plantou-me
Ali na minha Várzea
E arrancou-me dali.
E nunca mais as raízes
Me seguraram bem
Em nenhuma outra terra

Contudo, cheguei à seguinte
Conclusão: ter um destino
E não caber no berço
Onde o corpo nasceu,
É como deportar o coração,
Colocando-o num deserto
A céu aberto, longínquo
É não ter norte, de certo,
Nem a estrela Dalva
Nem as estrelas de costume,
Mesmo que disponha
De passaporte,
De alinhadas bússolas.
É como transpor as fronteiras
Uma a uma, e morrer
sem nenhuma...

CREDO

Autor: João Maria Ludugero

Meu nome: João Ludugero
Sou poeta lá da Vargem,
Sou cantador do agreste
Uso a força da  palavra
Orgulho sim desse sangue
Sou encarnado de paixão
Da rima eu faço um meio, sobrevivo
Reinvento-me, viro  a emoção pelo avesso
Não dou mole à tristeza, nem pensar,
Afasto as cinzas, sopro a brasa,
Contente, canto o dia-após-dia,
Da gente da minha Várzea!
 
A meu favor, tenho o apóstolo
São Pedro, a me proteger
das sombras da noite
E das aflições do dia,
Tenho fé que me sobra e  
Que ainda me fala em voz alta,
Pra que não esmoreça na luta;
Pra que não adormeça na busca
Dessa esperança que não me falta 
Porque ainda acredito, de fato,
No sonho, no amor e na poesia.

ANTONIO LUNGA, VENDEDOR DE CARANGUEJOS

















Quer saber, vou te contar!
Disso tudo não me canso
Sou da terra do xerém
Da fava, do mungunzá,
Do cajá e do umbu,
Dos Seixos e do Trapiá,
Da arribaçã, do nhambu,
Do teju e do preá...

Sou das terras agrestinas
Do fértil solo varzeano,
Cresci no meio da roça
Do milho e do feijão verde
Da lavoura arranco versos,
Teço a lida, rezo um terço,
E por um mundo melhor
Vou plantando minhas manivas,
Vou tangendo o meu gado para o pasto
Com esperança na algibeira
Vou fazendo a minha vida.

Hoje estou em Brasília
Distante de meu torrão
Convencido de que o tempo
Não muda nosso desejo
Na luta, imito meu povo, avanço
Vou em frente e não fraquejo
Pois na arte de versar
Sou forte e tenho traquejo,
Afinal eu sou da terra
Do 'seu Antonio Lunga',
Vendedor de Caranguejo!

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

VARZEANIDADE

Autor: João Maria Ludugero

Várzea, meu amado lugar,
Terra que me dá felicidade,
Que me leva a viajar, a pensar
Em alguma invenção
Que faça o tempo parar.
Esta tarde, antes do sol se deitar,
Quero guardar um bocado
Dessa luz que me orienta
Que me dá longevidade

Quero-te sempre por perto;
Sempre longe dos covardes,
Longe daqueles que, incautos, se atiram
Junto com os vagalumes da ponte,
Na vã certeza
De se agarrarem às paredes
Da vida feito lagartixas

Eu que já era cego de nascença
Estou ainda mais 'encandeado'
Por ter a vida dado meu melhor presente:
Igor e Jordana à luz intensa!
Quero-te sempre na minha retina
Nesse exato instante eterno
Que escolhi para te varzeamar!

Decido sair da rotina
Daquele sonho que, de tão usado,
Depois de lavado, encolheu;
Imagino arcos de toda cor que vão escrever
Teu nome na paisagem: Várzea!
Te conduzo pela mão adiante,
E viajar já é mais que a viagem...
É um modo de vida, um achado
Que me leva pra te ver radiante
Sob o sol da minha varzeanidade!

E VEM À TONA UM AÇUDE DE LEMBRANÇAS...

Meu velho açude do Calango,
Aqui me tens, de novo
E por inteiro, como sempre
No verdadeiro gosto de rimar
E de me embriagar de paz
De sol a sol no agreste
verde das tuas margens!

Funda saudade é
A que me traz aqui
Preso dentro de mim,
Sem chaves,
Como o eco infinito,
Sem segredos,
Do teu nome
Saudosamente doce:
Calango!

Nos recessos ocultos
Da minha alma de bom varzeano
Sopram os ventos da inspiração,
Que traçam espirais 
Na água verde e calma
Do teu sempiterno encantamento!

E sinto na extensão das minhas veias
Onde, em contínuo anseio, de súbito,
O sangue resvala, estua e salta,
No prenúncio das horas que virão cheias
De bons ventos que hão de trazer
Desde o teu sangradouro
A rima que me falta!

De novo, pois, fraternalmente unidos,
Inundo-me de paz e imensidade,
Sentindo-te refluir nos meus sentidos
Pela lâmina verde-musgo de tuas águas...
E os longes...e a saudade!

MEMÓRIAS DA NOSSA VÁRZEA (TRONCHO DE SAUDADES)



















Autor: João Maria Ludugero

Vejo o céu de Brasília
Observo suas nuvens...
De repente, chegam
Os sonhos da minha infância
Em claridades azuladas
Na infinita distância, no desvão
Esfiapadas, vejo no céu
Estas nuvens brancas, cinzas,
Azuladas, carregadas de lembranças
Que se esfuman num instante
E deformam sem cessar
Meu coração varzeano...

Tenho os pés postos no chão
E firmados num vigor
Que avança e não se encerra
Nos sonhos da minha infância,
Que não são sonhos são certezas
Que só encontro na minha terra!

Ó Claridades azuladas
De transparente constância,
Não estou parado no tempo
Não tenho os olhos fechados!
Na infinita distância desde Brasília,
No Planalto Central onde me encontro,
Claridades azuladas
Tingem esse céu toda tarde
Não são sonhos, com certeza
São saudades da minha terra!

Filho que sou dos céus da Várzea
Na agreste terra eu nasci:
Assim como tantos varzeanos
Pelas mãos amigas da inesquecível
Mãe Claudina, à luz do mundo eu vim
E fui logo plantado e criei raízes ali

E, agora nesta seara distante,
Onde a terra do cerrado
Ateia fogo ao céu de JK,
Sou forte botão em flor
De outros climas ardentes
Que seu viço a cor não perdeu.
Não fico triste nem choro
Porque sei que voltarei
A sentir o saudável perfume
Dos campos da minha Várzea,
Que tem o hálito fagueiro
Leve, com grato frescor
À alma - esperança e sorrisos,
Ao corpo - alento e vigor

Ó minha terra natal,
Onde aprendi oração
Na paróquia de São Pedro apóstolo
Onde em criança fiz a minha comunhão.
Várzea da professora Maria Fernandes,
A 'dona Marica de seu Otávio',
Eu bem me lembro com saudades
Das missas aos domingos na matriz,
Não me sais do pensamento

Várzea tu serás sempre
Recordada com carinho,
Desde o rio Joca até ao Calango
Vou te levando comigo,
Até o fim dos meus dias,
Até o fim dos caminhos!

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

JOÃO REDONDO



















A bem da verdade, tem razão o folclorista Deífilo Gurgel, que deu o título de Cidade da Cultura a Várzea,  ao recordar que, na época em que foi diretor de promoções culturais da Fundação José Augusto, em 1979, quando pesquisou sobre o mamulengo no Rio Grande do Norte, descobriu que a nossa cidade estava inclusa entre as aquelas cidades onde haveria um dos últimos mamulegueiros no estado.

O mamulengo faz parte da cultura popular nordestina.  A origem do nome é controversa, mas acredita-se que o termo deriva da expressão “mão molenga”, mão mole, numa referência à mão ideal para manipular os bonecos. Nele há um pano à frente, atrás do qual se escondem um ou mais manipuladores que dão voz e movimento aos bonecos.

Fui testemunha ocular dessa manifestação cultural, digo o teatro de bonecos em nossa Várzea. Lembro-me muito bem da alegria quando se reunia a criançada e os adultos para ver  a montagem e encenação do João Redondo na casa de seu Pedro Calixto, situada na rua Deputado José Lúcio Ribeiro, vizinho de dona Zidora Paulino.

É com imenso orgulho que me recordo do varzeano Pedro Calixto, que manuseava o João Redondo, o qual era apresentado por detrás  de uma cortina colorida na sala de estar de sua morada, e as histórias eram baseadas no quotidiano envolvente, caricaturando tipos e situações do dia-a-dia. Essa  forma teatral popular tanto agradava a adultos como crianças. Como espectáculo, possibilitava um contacto imediato e espontâneo com o público presente, sendo capaz de comunicar de forma ideal junto das diferentes faixas etárias da comunidade de Várzea.

Por oportuno, cabe cingir que o teatro popular de bonecos recebe várias designações em todo o Nordeste. Em Pernambuco, por exemplo, chama-se Mamulengo, enquanto no Rio Grande do Norte e Paraíba é denominado "João Redondo". Essa expressão da cultura popular, originária da Ásia, trazida pelos ibéricos, encontrou no Nordeste um verdadeiro celeiro de calungueiros, como se chama o homem que manipula os bonecos em nosso estado.

Um teatro simples, irreverente, apresentado por bonecos rústicos, feitos de pano, muito expressivos, acoplados nas mãos de apresentador, dando-lhes vida em pequenos atos hilariantes, permitindo que sua duração varie, ao sabor das circunstâncias.

Por derradeiro, vale ressaltar que em Natal, a arte do João Redondo permanece viva graças aos calungueiros, como Chico Daniel, segundo Ariano Suassuna, o maior “bonequeiro” do Brasil. Após o falecimenteo de Chico Daniel, seu filho continua mantendo acesa a chama do teatro de bonecos popular. Também pode se encontrar no Conjunto Nova Natal o Zé Relampo, carroceiro de profissão  que apresenta o “João Redondo” de forma tradicional, destacando sua voz.

Viu, só gente! É Várzea presente no cenário artístico cultural, no imaginário popular do nosso povo, são as nossas raízes que,  apesar de adormecidas, como é o caso do João Redondo, ainda pulsam e poderão, por que não, renascer das cinzas. Importante é, pois, compreender que tudo isso pode ser resgatado, uma vez que empenho, determinação e espírito entusiasta  não faltam ao repertório cultural da nossa gente, que tem o prazer de fazer bem feito. E que sobrevivam as raízes da Cidade da Cultura potiguar, nossa amada Várzea!

terça-feira, 5 de outubro de 2010

VARZEANIDADE II


Autor: João Maria Ludugero

Em terras banhadas pelo riacho Várzea
Ângelo Bezerra resolveu morar
E ali um povoado se levantava
Foi vista uma estrela radiante
E, naquele instante, Deus acenou:
que estava nascendo um novo lugar

Terra de singular beleza emanada
Do amor e de um sonho altaneiro
Reluzindo sua gente de coragem
Sob o sol caloroso do agreste
Essa gente que nasce e cresce
E as que vêm para nos contemplar
É um povo que aqui permanece,
Pois sente a promessa de vida que há

As sementes plantadas no solo
São os sonhos plantados no amor
Que de tão fértil nunca se encerra,
Pois há nessa terra benção e louvor
E nas águas salobras do rio Joca
Corre o suor do trabalhador

São sonhos plantados na terra
É o amor que acolhe a semente
Hospitalidade fadada à natureza
Pelo carisma acolhedor de sua gente
Viver pra sempre, quem dera
Coração cravado nesta cidade
Porvir que nos traz tão bem
a paz e a verdadeira felicidade

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

MEMÓRIAS DO MEU CORAÇÃO DE ESTUDANTE

Já se foi o tempo, nos idos das décadas de 70/80, a Cidade de Várzea não dispunha de estrutura nem de escolas para oferecer aos seus estudantes que quisessem cursar o ginasial e até o ensino médio, portanto, estes se dirigiam à vizinha cidade de Santo Antonio do Salto da Onça, onde eram submetidos a rigoroso processo de seleção/exame de admissão para ingresso no Ginásio Ana de Pontes, unidade de ensino que acolhia alunos de outros municípios da  região.

Eu bem sei, pois senti na carne as dificuldades daquela época, pois as estradas ainda não eram asfaltadas e o transporte era feito de forma precária, no princípio, em camioneta da prefeitura,  numa leva de mais de uma dúzia de alunos, que enfrentava a estrada, os atoleiros na época das chuvas, o desconforto, intempéries, dores nas costas e até indisposição para os estudos. Em seguida, com o aumento do número de estudantes, esse serviço passou a ser prestado por um caminhão, tipo pau-de-arara, coberto com lona,  no  qual os alunos se sentavam em bancos de tábuas, o que causava desconforto e insegurança e o risco  de acidentes era constante, apesar dos cuidados em colocar madeiras nas laterais. E por derradeiro, para a condução dos alunos foi contratado o serviço em ônibus da Viação Queiroz e Melo.

Devido a precariedade da estrada de chão, a gente chegava à escola depois de cerca de um tempo de viagem, já cansados, com o corpo doído, com dores nas costas, e com os nossos pais a esperar preocupados. Os pais ficavam apreensivos quando os filhos saíam nessa maratona  para a escola. Era o jeito deixar, mas ficavam rezando para que não acontecesse nada. Estávamos entregues nas mãos de Deus!

Exaustos, o rendimento de aprendizagem caía. Esse sacrifício prejudicava  a atenção dos estudantes, que, todos os dias faziam o percurso de Várzea para a escola em Santo Antonio, utilizando esses meios de transporte. Mas,com todas essas dificuldades, a gente ficava junto, dividindo o mesmo espaço, e até cantava em coro diversas músicas conhecidas e sucessos da MPB, só para o tempo passar e a vida continuar, sem esmorecer, sem deixar o sonho cair, uns dando força aos outros, para não deixar prejudicar o aprendizado.

Atualmente, vivemos uma nova realidade, tudo se tornou mais fácil, Várzea dispõe de boas escolas com  alunos matriculados nas redes municipal e estadual  de ensino compostas de educação básica, formada pela educação infantil, ensino fundamental e ensino médio.  Quem sabe, em breve, também teremos no nosso município meios de educação superior, sem carecer de deixar a cidade para estudar fora?

Com todas as dificuldades, mesmo assim, a gente acreditava e partia pra luta, sem cruzar os braços, porque varzeano, desde cedo, aprende a exercer essa capacidade de acreditar na força dos sonhos... E, assim, não desistimos nunca, apesar dos fardos pesados e dos obstáculos que encontramos pelo caminho. Isso tudo só funciona como estímulo a nos impulsionar para a vitória.

domingo, 3 de outubro de 2010

ADEUS! ATÉ LOGO MAIS!

















Recordo-me bem
Do dia da minha partida, 
Desnudei um adeus imenso,
E a terra de Ângelo Bezerra me perfumou
Os cabelos com um cheiro de alecrim,
O  doce aroma da tarde amena
A subir pelas narinas acesas,
E a voz presa na garganta
Bloqueou de silêncio os olhos meus
E rumei a Nova Cruz,
No carro do Seu Tida...


Naquele instante fui embora de ti,
Mas juro: separei-me de mim,
Com as mãos emudecidas num adeus
Que a memória gravou a fogo e brasa.
Em letras garrafais escrevi
Num lenço branco com lágrimas, 

Não vale a pena ignorar as palavras
Ardentes de um lume vivo:
Adeus, minha casa!
Adeus, minha Várzea!

Adeus! Até logo mais!

sábado, 2 de outubro de 2010

ALQUIMIA

Faz tempo, ouço um bater
sempterno de cascos
a galopar, a calvagar
pelos teus caminhos sem cancelas
nesse viver incansável
Pela estrada de terra de Zé Canindé.

Intacto me revejo nos mil lados
Desse meu poema.
Na lâmina da água empoçada do rio

Circulam as memórias
e a substância de palavras
que nunca ficarão esquecidas
no desvão da vargem invadida

Sei que há tempos
Te encontro nua a desabrochar...
Sei que nem toda flor desabrocha,
Nem tem endereço certo,
algumas o vento faz desabar
Feito rochas no despenhadeiro:
Livres, leves e soltas ao vento,
Seixos livres da posse
Esperando o ar por vir ex-ter-miná-las

No teu coração de fogo
Escorre um sangue de saudade,
Como se fosse alquimia
A colher o bálsamo
Pra toda a dor
que corre pelos meus versos!

No meu sangue corre um rio,
No teu Joca corre o amor...
Corre muito, em demasia;
Em versos soltos, sem rima,
No meu sangue existe água.
No minha Várzea... há poesia!

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

MEMÓRIAS DA NOSSA VÁRZEA


GENTE DO TEMPO

Autor: João Maria Ludugero

Sou do tempo 
Em que minha avó Dalila 
Buscava água no açude do Calango 
De madrugadinha, antes do sol nascer.
Para encher potes, jarras, moringas
E tantas vasilhas de barro 
Para conservar a água fresca

Sou do tempo 
Em que se lavava roupas 
Nas cacimbas do rio Joca
Enquanto nós, crianças, 
Aprendíamos a nadar, 
A pescar com a dona Neda
Que tão bem manejava seu landuá
E tirava do rio da Cruz 
Graúdos jacundás

Sou do tempo 
Em que nos sentávamos em volta
De pequena fogueira ali na minha Várzea, 
Para ouvir seu Joaquim Rosendo 
Levantar  na boca da noite 
Casos e coisas de arrepiar 
O imaginário da nossa gente,
Causos de assombração, 
Mula-sem-cabeça,
Lobisomem...

Sou do tempo 
Em que a modéstia  não era pobreza,
Mas fazia parte de um costume, 
De um jeito varzeano de ser e de viver

Sou do tempo 
Em que havia boiada a atravessar o rio,
Bois que passavam na rua,
Havia carro-de-boi,
Havia um mercadinho 
No centro da rua grande
Onde toda gente se encontrava 
Para, além da feira de domingo,
Levar um dedo de prosa
Ou para jogar dama 
Com seu Antonio Coelho...
Ali onde havia o bar do seu Biga
Que vendia bolo, caldo de cana e sonhos

Sou do tempo 
Em que dona Albanita vendia leite
Ali na sua casa da esquina 
Da Brasiliano Coelho de Oliveira,
Enquanto, na padaria, ali do lado, 
Seu Plácido Nenê Tomaz de Lima, 
Marido de dona Tide, vinha que vinha 
Com o balaio cheio de pães 
Cheirosos e quentinhos,
Recém-saídos do forno...
Não era mesmo, Terezinha?

Não, não me perdi
Não perdi esse passado pelo caminho
Escrevo só para vê-lo hoje, novamente...
E essas recordações de tanta gente

Deslizam-me pela memória, devagarinho
E, no intuito de guardá-las para sempre,
Vou construindo meu verseiro simples e sem rima!