GAIOLAS DE VUITTON

 

GAIOLAS DE VUITTON
Autor: João Maria Ludugero

Meu coração quase sempre
batia descompassado,

debatia-se no alçapão,
deixava-se apanhar

sem se achar
sofria de insuficiência aórtica,
parecia pássaro

recém-posto na gaiola
de casa nova,

de asa quebrada

Justo eu que antes,
ave arteira, dono do seu bico,
podia ganhar a imensidão,
voar nos postes,
disposto a pousar nos fios
sem choque
sem preocupação,
a catar meus bichos

E agora, sem te caçar, de sorte
esbarrei no teu destino,
nem tentei escapulir nem pudera
não queria mais como fugir
do acasalamento
do modo como as coisas estão dispostas,
de súbito, as sombras da prisão
dissiparam-se no clarão,
abriram-se as portinholas
 

E a tristeza emoldurada
que morava aqui dentro sem sair
com seu desencanto arribou dali
tomou um chá de sumiço, desgarrou
e acho que foi morar,
não quero nem saber,
Ninguém mais a viu,
além da ponte que caiu
pra lá dos cafundós de judas
pra lá de onde a outra perdeu as botas

Só agora me toquei
e percebi que estragou aquele velho fubá
e fez o arredio tico-tico repensar
virar pássaro feliz, sensato
contente com a vida a levar
muito além das sobras do alpiste,
saiu do ranço da comida de costume
da ração sem escolha, do xerém do mofo
das migalhas empurradas bico a dentro

Espia aqui, ó, meu coração,
sinto que cantas ritmado
a refletir meus ais, sem galhos
e não há dúvida no que mais me apraz,
que é estar a andar ao teu lado, e voar
botar a cara no mundo, encorajado
remexer as asas, sem dó, resserenado,
sem sofreguidão nem pensar em sequelas,
a soprar a liberdade
a tanger o orvalho
ser pássaro voando alto,
arranhar o céu azul bala soft!

Sem inveja alguma
das reluzentes gaiolas douradas de vitrine,
onde pobres aves se encantam se ofuscam
no já eterno imposto faz-de-conta
com suas asas aparadas 

aguardando, resignadas,

o trânsito em julgado 

de suas penas 

Ora ora, de certo,
chega de quirelas...
ser andorinha só
é puro tédio, cansa

eu sou mais nós
fazendo verão!