CARNE VIVA (II)
Autor: João Maria Ludugero
E Maria continua no rabo da fila
Na expectativa de melhorar de vida
Se espicha como pode, se contorse
Na dança da lagartixa, apanha
Sem direito a ensaio, que nada
Ela faz das tripas coração.
Ossos do ofício, até vende rifa
Onde o sorteio, o alvo do prêmio
É o seu corpo presente, de fato,
Triste ironia, vende as carnes
Para ter sustento e, na barganha,
Tenta ganhar o pão.
Maria da raia, não há como evadir-se.
Gira sua sina enquanto o mundo roda
Ela abre o leque pra se abanar, sem remédio,
Ao transpirar e suar frio no açougue
Ao cair na lábia da freguesia, ao dançar
Para satisfazer estranhos instintos
Na saia do seu destino
Que acende a chama,
Enquanto ela se inflama
Sob a luz vermelha do calçadão.
A vida crua lhe tira o couro
Sem anestesia, sem fazer uso
De navalha alguma, do corte
Maria já nem sente o medo atroz,
Acostumou-se aos malabarismos
Sua vida é dura, não é feita só de batons,
Colares e pulseiras coloridas
Não é moleza não a poda.
Certa feita, distraída no passo,
Numa briga de rua, afoita,
Numa disputa por espaço,
Foi pego desprevenida
E perdeu pedaço da orelha.
Maria tem receio de que um dia
A moça venha lhe peitar, de súbito,
E, numa cilada, num golpe ou vacilo
Ela possa ser nocauteada, em cheio,
Perder os dentes, ficar banguela,
E nesses moldes, catraca desdentada,
Quem vai querer deitar, me diga,
Com essa pobre dona deformada,
Se a vida já lhe arranca os olhos da cara?
Imagine se se tornar inválida para o batente
Ou lhe aconteça algo pior nesse mundo cão:
Maria das dores ou Maria das graças
Amanheça atirada num canteiro nua
Desfigurada, com a boca cheia de formiga.
Espelho, espelho meu, seria sonho meu
Pensar que a vida real poderia transformar
O cruel e ambicioso espelho da madrasta,
Obrigando a pobre Maria coitada sem senha
A usar o elevador de serviço em nome do social,
Ela que tanto já sua ao escalar os degraus impostos
Ao pagar as promessas com Nossa Sra. da Penha?
Nossa João, sua poesia desafia os sentidos. Tras angustia ao olhar a realidade, nua e crua, bem assim como a descreves!
ResponderExcluirMeu peito bate dolorido!!!
Um dia belo a ti..