TOCANDO NAS BARBAS DE DEUS

TOCANDO NAS BARBAS DE DEUS
Autor: João Maria Ludugero

Na minha casa tem um quintal.
Há lá muitos pés de planta,
Variadas fruteiras em flor,  
Hibiscos dobrados coloridos,
Repletos de abelhas
E uma bica d'água
Onde a gente toma banho
E usa para molhar a terra,
Irrigar os leirões
Onde a gente cultiva
Abóboras, maxixes e melancias.
As ramas se alastram, se alongam
E dão tanta flor e beleza

São tantos melões-de-São-Caetano
Que o chão até parece pequeno
Pra agasalhar as trepadeiras.
Elas se estendem pelos jiraus,
Tomam conta das cercas,
Encantam atraindo o passaredo
E dão tantos frutos amarelos
Que dá gosto de ver a natureza
Em festa no quintal lá de casa.

Na minha Várzea, a gente acorda
Cedo segue o sagrado ritual
De pedir a bença à mãe e ao pai.
Abençoada, de corpo fechado,
A vida segue fortalecida, encorajada. 
Isso anima a gente a arregaçar as mangas
A partir pra lida, destemida.
A gente adora sentir Deus
Nessas coisas simples
Tão modestamente, a gente vê
O dedo dele na mão da gente
Cautelosa mente, sem pressa, 
A buscar ovos caipiras,
No ninho, dando milho às aves, 
Soltando os cabritos na Vargem

É tanta satisfação que enobrece,
Que regozija a alma da gente
Ao colher cajá, pinha, mamão
E encher o cesto de sonhos e feijão.
É gostoso ávido acordar com o sol radiante
Só pra ver se os frutos estão amadurecendo.
Ali a gente pode tocar a vida
Tão humildemente e se sentir
Enriquecido ao tocar as barbas
De Deus nas ramas das batatas,
Nas flores das ervas-doces,
Nas beldroegas e camomilas.
A gente pode ver de perto 
A cara de Deus todo contente,
Sorrindo à toa, divina mente,
Enquanto a gente toma banho
De bica como se fosse príncipe.
Onde já se viu uma coisa dessas?
Na minha Várzea tem isso tudo.
O que mais caberia pedir a Deus?
Quem achar que eu sou pobre,
Vai acabar bifurcando a língua,
Pois já nasci rico, e ainda sou poeta.
Logo, não careço passar a vida toda
Em busca de outro diamante.