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segunda-feira, 2 de agosto de 2010

A BODEGA DE ZÉ ANJO E O CANDEEIRO DO TEMPO

















Autor: João Ludugero

A casa era toda caiada
pequena e aconchegante
tinha um balcão de madeira envelhecida
com a pintura quase toda descascada,
meia dúzia de frascos de pinga, aguardente
vidros grandes de girar cheios de confeito
línguas de sogra, pirulitos
e carrossel de açúcar pras crianças...
e ficava bem ali na descida pro rio Joca,
na rua do arame, no seio da minha Várzea.

O querosene Jacaré se encontrava num cantinho,
cinco latas com as folhas-de-flandre destampadas
esperando abastecer os candeeiros,
as lamparinas e seus pavios;
algumas garrafas verdes de rolhas,
vazias de 'sangue de boi' e um funil,
havia também um balaio de gatos bem forrado
e uma gata que amamentava seus filhotes;
sacaria de boca arregaçada,
onde havia bastante milho, araruta e farelo;
feijão, farinha de mandioca e carne seca
e várias réstias de cebola roxa e alho,
sem contar com vários garajaus de rapadura.

Tinha um pássaro preto fora da gaiola,
um papagaio quase depenado de velhice,
sementes de girassol, alpiste e xerém;
panos de prato bordados ao croché,
um banquinho feito de coqueiro entalhado
meia dúzia  de tamboretes em flagelo
só pra o conforto de toda freguesia.

Seu Cícero Anjo,
pai do Zé e da Liu de Lió,
embrulhava o peixe seco
Filizolla bem ao lado
dava o fiel da balança,
com seus dois pratos
de cobre nada reluzentes,
davam justeza de peso a toda gente,
covencendo o freguês desconfiado
de que ali 'fiado, só amanhã!'

Nem amanhã, nada de calote ou pendura,
porque nada valia mais que um fio do bigode
tudo na base da palavra dada, de confiança, 
detrás do balcão, miudezas em geral,

onde rolava o fumo de rolo e a palha
num cesto de pão de sal, cocorote,
solda, bolachão de pacote
bolo de fubá, sequilho,
regalia, brote, etc e tal.

3 comentários:

  1. Faz lembrar as vendas espalhadas em nossa memória!!! Que delicia de poema por uns istantes fui para bem longe!!! otimo otimo

    Zé BSB-DF

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  2. Ah, que beleza de texto, no contexto certo, hábil no manejo do verso,sem ser banal,sentimental,e moderno sem radicalismos.
    Adorei! Vc é um grande poeta.
    Gosto de poesia assim que fala de gente que gosta de gente, gente assim como a gente. Lindo!
    Bjs, Fátima Aníbal de Menezes
    Brasília - UnB.

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  3. Voltei, para explicar: seu poema tem gente por trás do balcão, sim, tem toda essa parafernália de coisas de armazém, de mercearia de interior, bem conheço. E tem cheiro de gente sim. É que minha amiga Paula Ruiz leu meu comentário e achou que sua poesia descritiva não tem pessoas por trás das palavras, do balcão. Puro emgano, pois tem sim, é uma dissertação maravilhosa, com gatos e tudo mais. Um balaio de coisas interessantes, e gente.
    Belo poema, muito rico.

    Bjs. Fátima Aníbal de Menezes-UnB.

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