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sábado, 11 de outubro de 2014

UM CAÇUÁ DE SAUDADES: VÁRZEA-RN EM RODAS DE CONVERSA, por João Maria Ludugero

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
UM CAÇUÁ DE SAUDADES: VÁRZEA-RN EM RODAS DE CONVERSA,
por João Maria Ludugero




Já virara mania, caindo no gosto popular, sem embromação de costume, vez que era comezinha tradição, nas calçadas da Várzea de Joaninha Mulato e das cidades do interior potiguar, era uma espécie de seara de instigantes e variados bate-papos, rodas de conversas, que iam do simples disse-me-disse a outros assuntos ligados à política ou até às curiosidades históricas do lugar da rua da pedra de dona Rosa de Antonio Ventinha à rua do Arame da bodega de Zé Anjo que vendia querosene, farinha de mandioca, língua-de-sogra, rapadura, feijão, fubá, goma, fava e charque para incrementar a cozinha de dona Alice de Abílio, de dona Maria do tarrafeiro Antônio Euzébio e de dona Neda e Maria Batista dentre outras criaturas pertencentes ao giro popular da Várzea de Ângelo Bezerra.

Na verdade, mormente eram espaços públicos assim como becos, praças, canteiros, açougues/mercadinhos, vendas, bodegas, parques e ruas, que serviam também de ambientes sugestivos para entreter as pessoas e jogar muita, mas muita conversa fora mesmo, aliviando assim a carga diária de trabalho e outros afazeres da pacata vida social desde as quatro-bocas de Seu Lourival de Carvalho à rua grande da Várzea de Severino 'Silva Florêncio' Sobrinho.

Pois bem lembrado, era muito comum e ainda o é, diga-se de passagem, observar essa prática ao cair da tarde, entrando pela noite, em pequenas cidades iguais a Várzea-RN. Engraçado que em cadeiras, tamboretes, bancos, espreguiçadeiras, redes, sentados no chão e mesmo em pé, sem cerimônia alguma, nos entregamos ao bate-papo gostoso das calçadas da igreja-matriz de São Pedro Apóstolo, agregando a ele as nossas promessas, esperanças entre novas e velhas notícias, boas e más, doces e amargas, entretidos no vai-e-vem das palavras, bem apanhadas rodas de conversa recheadas, de bom tamanho, com tapiocas, beijus, puxa-puxas, quebra-queixos, pipocas, roletes de cana-caiana, paçocas de amendoim, babaus de batatas-doces, coalhadas, queijos, farofas e carne-de-sol, cabritos, passarinhas, castanhas assadas, torresmos, carangueijos, siris, camarões e aratus de Antonio Lunga, grudes de goma, bolos pretos, raivas, carrapichos e soldas de dona Carmosina.

E assim, a gente passava o tempo a fugir da rotina do interior da Várzea de dona Marina de Seu Minor, da venda de Seu Nezinho, pai da Isailda Alves ou da mercearia de dona Penha de Seu Olival de Carvalho, aonde a gente não abusava de beber Q-Suco de uva e chupar dindim de coco-queimado.

Já pensou, imagine só o que seria de nós, pobres mortais, atolados na mesmice cotidiana e sobrecarregados de privacidade, se não fossem as benditas calçadas com seus incríveis cidadãos que bem nos faziam ouvir, falar, rir, brincar a correr dentro e alto pelo vão das almas um tanto e quanto esbaforidas, mas sem desmoronar apesar de correr o tempo pelo oitão da casa de Seu Nestor, pai de Oliveira Jorge de Alexandria.

Assim sendo, nesse diapasão, bem faço questão de tratar desse assunto aqui porque quero me juntar àqueles sem pudor, livres do rótulo de magote de “politicamente corretos”, vistos por muitos como os que não fazem nada, preguiçosos e levianos, quando, na verdade, só estão conversando, partilhando graças e desgraças, despertando opiniões, multiplicando conceitos, desfazendo preconceitos, mal-entendidos, dramatizando as notícias, polemizando, construindo histórias desde as da carochinha, assombrações e piadas das mais engraçadas de ouvir e contar, dentre mitos e lendas que se perpetuaram em nossas cidades e também se conservam graças aos papos ávidos e quentes das calçadas, a exemplo do inesquecível banco de Nina que ficou na história pra todos os tempos.

Sem muito esforço, lembro-me que Seu Plácido 'Nenê Tomaz' de Lima, logo chegasse à tardinha lá na calçada da sua padaria, na esquina da Travessa Brasiliano Coelho, após atender aos compradores de pães, bolachas regalias, bolachões e outros brotes para incrementar o jantar, quase sempre à tardinha, um magote de gente saía de casa para sentar-se na calçada da padaria só pra espiar e ouvir o bem-ditado linguajar de Seu Nenê Tomaz acerca do formoso, faceiro e fascinante 'pitéu' das meninas varzeanas ou até mesmo no oitão da calçada de Seu Arnor Coelho, em cadeiras de fios de borracha, em bancos ou espreguiçadeiras – como chamávamos, antigamente, as cadeiras mais confortáveis, feitas de madeira e tecido no meio – Lembro-me de Seu Nezinho Mulato portando seu radiozinho-a-pilha, cumprimentando e conversando com quem passava ou com quem se atrevia a apear-se do burros de carga d'água advindos dos Ariscos de Seu Virgílio Pedro ou dos arredores do Vapor, aonde colhiam macaxeiras, milho, feijão, algodão, melancias e jerimuns.

Assim sendo, virava mania jogar conversa fora. Um costume admirável não só para preservar as histórias do lugar, mas também para aliviar a rotina e arejar a cabeça de muita gente, sem carecer de senhas para participar da estimada roda aberta no prezado momento dos alaridos bem manjados da vida varzeana, vez por outra repuxados pelo padeiro Zé Epifânio, Tota de Chica de Leopoldo, Seu Geraldo Bita Mulato, Zeca de Maria Batista, Pedro de Sinhá, Zé Dudu irmão de Benilde, Picica de Xinene de Cícero Paulino, Antenor de dona Maria de Seu Antonio Gomes, Raimundo de Nide, Antonio Horácio, Joaquim Rosendo, Comácio de Zé Lambu, Antônio Coelho, Biga de Ana do Rego, Craúna, Ré e Xinxa da Viúva e Antonio de Quequeca da Rua São Pedro, Xibimba de Lucila de Preta, entre outros, etc...



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