NO COLO DA ESTRELA, por João Maria Ludugero
Quando eu era pequeno
Minha mãe Maria
Já me vestia de poesia.
Me banhava na bica do quintal
Com o despontar da estrela matutina.
Eu escovava os dentes com raspas de juá.
Eu sorria tão bonito e feliz,
Lavava a alma, sem queixas,
Apesar da água fria.
Da vida que me levava
Não tinha do que reclamar.
Ficava até sem palavras,
Mas de ouvidos bem limpos.
Só na escuta, contemplativo,
Aprendendo a mais ver,
Vivendo a observar dali
O horizonte que se estendia acima
Do alpendre da nossa casinha
E o que também via o bem-te-vi,
Sem me pre-ocupar com o bicho
Da goiaba nem com a vida-papão.
Se já era meio-dia ou
Se o sol estava a pino
Se o sol estava alto,
Com o canto da cigarra,
Se havia chuva ou estio.
Assim, nesse diapasão,
A vida tanto me encantava
E me fazia adormecer
Logo cedo com as galinhas,
Ao cair da tarde amena,
Deitado no colo da minha mãe,
Que me ninava na lida do lar,
Como quem recita uma cantiga,
Como quem reza baixinho
Para espantar papa-figos.
Hoje estou gente grande,
Escrevinho meus poemas
De vestígios, sombras e ruídos
De vestes e luzes não postiças
Que me acompanham dia-após-dia.
Mas como se escreve carinho,
Conforto, descanso, ternura,
Meiguice, aconchego e doçura?
Ora me visto dos versos que invento,
Ora me reinvento, exponho-me
Desnudo não me acanho, me pego
Ao chorar solitário no escuro,
Sempre que a saudade me bate,
Toda tarde quando o sol se põe.
E ela, que me ensinou o ato de contrição,
Nem mais está para me apanhar
No colo – Minha estrela Vesper,
Que voltou pro seu lugar no azul,
De onde permanece toda firme
A me fitar, a me ninar os sonhos.
O tempo passou. Ganhei espaço.
Continuo a ser eterno menino
Travesso, metido a ser gente grande,
Mas que ainda se veste de poesia,
E passou a escrevê-la no papel,
Só pra acordar, ver de longe e perto
Sua estrela D’alva, altiva a brilhar
No céu de toda saudosa manhã.
Hoje eu sei como escrever Amor.
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