ISTO É VÁRZEA - 50 ANOS DE AMOR E DE ESPERANÇAS,
DE TAPIOCAS, BEIJUS, SEQUILHOS E GRUDES DE GOMA COM COCO,
DENTRE OUTRAS IGUARIAS SEM PAR!
Autor: João Maria Ludugero.
Como é bom viajar para lá, sair de férias, curtir toda simplicidade daquele lugar. É gratificante andar pelas ruas, pelas calçadas, pelos becos da minha Várzea. É bom demais da conta acordar bem cedo, sair aos domingos e parar pelas barraquinhas da feira-livre e sentir o gostinho bem varzeano que essas guloseimas portam em si. Melhor ainda quando se está em companhia das melhores, entre irmãos, amigos de infância e outros entes queridos que fazem todos os desejos do filho visitante que retornou à sua Várzea para matar um pouco das saudades!
Sinto-me, deveras um príncipe em seu reinado.
Assim como eu sou um bom observador, e a cada dobra do caminho, a cada rua de paralelepípedos bem delineados na rua da pedra, cada coisa que muda de cenário, ali encontro bem diante de mim, um mundo que é só meu, o meu mundo! São nas pequenas coisas do mundo de ontem, do tempo do sempre, assim como havia guardado na memória desde minha infância, são nestas pequenas ocorrências que reencontro a minha Várzea das Acáciasl e fico bastante feliz ao sentir que ainda está intacta! E eu gosto dela assim, com todas as suas nuanças de simplicidade, de vida simples, sem muitas frescuras de cidade grande. Várzea é assim e eu gosto dela do jeito que é, incondicionalmente, sem tirar nem por, com toda modéstia.
A boa gente varzeana, tão hospitaleira, consegue sorrir apesar de todos os pesares, consegue mostrar cortesia ao visitante de passagem, e também aos filhos que ali retornam para matar as saudades. Essa gente que está sempre se preocupando em fazer o melhor para agradar a todos.
"- Meu filho, deixa eu fazer uma tapioca fresquinha, essa aqui já tem mais de hora... " E com um enorme sorriso nos lábios, a saudosa Dona Zidora misturava a goma com sal e água e acenava para Piedade ir buscar um coco ralado, ingrediente que dará um sabor todo especial a saborosa 'panqueca de origem indígena' que existe no nordeste e já tomou conta do país inteiro, aqui mesmo em Brasília, capital da República, dispomos de várias tapiocarias, mas igual à tapioca varzeana não dá nem mesmo para se cogitar uma coisa dessas. A tapioca à varzeana não tem similar. É mesmo um manjar dos deuses!
A simplicidade e a essência da legitima cultura do varzeano é, sem sombra de dúvida, um destes intactos cartões postais potiguares que com certeza se tornam cada vez mais raros! E não é puxando a sardinha para o meu lado, mas é muito difícil alguém conhecer Várzea e não se apaixonar por aquele lugar. Foi uma vez, vai querer visitá-la sempre. Quer tirar a prova, visite a minha Várzea das Acácias! Ao vivenciar uma experiência como esta, meu coração fica cheio de gratidão e minhas preces sobem ao Supremo Pai do Universo pleiteando o bem estar desta gente tão boa e hospitaleira, minha gente varzeana!
Essa gente conta consigo mesma a cada dia que Deus dá. E Deus dará... é bonito de se ver, é lindo ver o espírito empreendedor do varzeano. Trabalham com paciência de Jó e nunca perdem a esperança, pois esta se renova quase sempre... Lembro-me do magote de meninos, inclusive eu, Picica e o Abimael, desde meninos, vendendo pastéis, pirulitos, doces de banana, goiabada, cocadas e dindin (aquele geladinho com gosto de frutas). Lembro-me, também, das mocinhas vendendo artesanato de sua própria fabricação, Maninho no seu bar fritando peixes e aves, senhoras idosas ainda fazendo tapioca ou até mesmo rendas e Dona Das Neves com seu fuxicos coloridos; dentre outras mães esperando as crianças chegarem da escola,para saírem vendendo pirulitos caseiros ou tijolinhos de doce de leite e doce de banana, ali mesmo na rua do Cruzeiro, defronte à Escola Dom Joaquim de Almeida. E a gente fazia esse "trabalho" com alegria, sem reclamar da vida, pois a gente era feliz e bem sabia disso.
Várzea tem um pouco de tudo e de tudo um pouco. É gostoso passear na feira de domingo, comprar redes, doces de cajus e castanhas, queijos de coalho, manteiga de garrafa, picadinhos de carne de porco, sarapatel, mocotó, buchada de cabrito. Garajaus de rapaduras, de peixes e outros pescados, compotas das mais variadas frutas, frutas dos mais variados sabores.
Minha Várzea é um mundo encantado e especial que em si comporta um universo mais complexo do que se pode imaginar... Sabores da minha Várzea que torço para que tão logo não deixem de existir... Sabores da minha Várzea, da minha terra potiguar, do meu amado Rio Grande do Norte, que devem ser incentivados a existir para sempre!!!
É demais gratificante rever e aprender com os valores da terrinha. Espero que os varzeanos honrem seus costumes, e respeitem essa economia espontânea e esses empreendimentos tão ricos, tão modestos. Espero que neste novo milênio de globalização, ainda exista espaço para as pacatas barraquinhas de tapioca da feira, broas de goma, quitutes e outras iguarias varzeanas... E mais ainda, espero que aquela boa gente continue a sorrir e se preocupar em fazer uma tapioca fresquinha para si, para suas famílias, para sua freguesia visitante, por muito e muito tempo. E que viva o povo varzeano. Viva a minha Cidade da Cultura, Viva a minha Várzea das Acácias, a terra da Felicidade!
VÁRZEA, PARA TE AMAR, NÃO PRECISO DE RIMA!
Autor: Ludugero, 29/07/2009.
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A poesia sem rima
É poesia do mesmo jeito,
Tem sentir, tem sentido...Eu sinto!
É como o sol que clareia mentes
Dando calor e cor aos ambientes,
É um açude tipo o Calango cheio,
Com sua água que parece verde...
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É jardim que tem flor de todo tipo,
Flores de fedegoso, de muçambê, canapu
De diferentes estirpes, silvestres ou não!
É namoro com paixão, flor do Maracujá!
É coração cheio de amor agreste,
A se derramar pelas estradas de chão do Trapiá,
Sem precisar de alegoria nenhuma,
Sem carecer de rima
É doce de caju, é doce de goiaba,
É doce de leite, é licor de jenipapo,
É como cabrito novo a pastar na Vargem
Aprendendo a dar pinote, sem jeito,
É casinha branca simples, caiada,
Com água fria no pote, na moringa.
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Pode a poesia não ter nem a métrica
Nem a rima, pode parecer dia ou noite,
Mas sempre haverá estrelas lá em cima;
O poeta é feito um cantador de viola,
Artista e obra-prima... É Cícero-Cego e sua sanfona!
São versos pirilampos que alumiam a alma da gente,
Mesmo se o poema não tem rima!
É como o rio Joca e um cardume de piabas afoitas
Numa alegria só solta na flor das águas tão límpidas!
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A poesia tem perfume, tem Vapor e vertentes Amores...
Pode nela faltar rima, mas luz nem carece trazer,
Já viu faltar pisca-pisca na bunda do vaga-lume?
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A poesia sem rima é poesia do mesmo jeito,
É milho no mesmo sabugo das letras.
É filho que traz sua mãe ao peito, nunca bastardo,
É a mãe que nunca perde o filho, nem mesmo crescido,
É uma jóia de valor, diamante de intenso brilho.
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A poesia sem rima pode ser assim riacho de mel,
É castanha de caju, é uma bacia de mangas.
É como fazer a farinhada, repleta de tapioca e beiju.
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Sem a métrica e sem a rima
A poesia assim mesmo se presta ao que SINTO.
Pois não falta o encanto, o cantar
Dos sabiás lá do seu Tida.
Não falta o romantismo das noites enluaradas
Da minha amada Cidade da Cultura,
Minha Várzea das Acácias!
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A poesia sem rima
É bodega de cachaça, é o Bar do Beto ou do Maninho,
É o a conversa fiada lá na Praça do Encontro,
É a Semana Santa com peixe distribuído de graça,
É a oração de São Pedro, é a missa de Domingo,
É o incenso, o turíbulo e a fumaça.
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A poesia sem rima
É um pássaro e o seu ninho
É um canário em seu chão!
Pode também ser a mais dura saudade,
Assim como a que agora SINTO,
Saudade da gota serena, a que SINTO da minha Várzea,
Pois sou mais um João longe da sua casa.
Assim sou feito espelho sem reflexo,
Sou um quadro que tem a sua feitura
Na moldura dos meus versos,
Mesmo que não tragam rima!
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O que importa é o que eu SINTO:
Eu amo muito esta cidade que me dá felicidade,
Todos os dias em que escrevo meus poemas para ti,
É mesmo Amor em palavras o que SINTO
Em forma de coração, que é o molde da poesia!
MERCADINHO PÚBLICO VARZEANO: DIA DE DOMINGO
Era dia de domingo, dia de feira.
Dia das compras, de farinhas e de macaxeiras.
Acordávamos ainda cedo e já partíamos
para as barraquinhas, as bancas da feira, livre.
Íamos eu, meu pai Odilon e a minha mãe Maria.
Era gostoso acordar cedinho, ir ao mercadinho, no centro
Já no caminho, ali na Rua Dom Joaquim de Almeida,
a gente dava de caras com o João Carlinhos de Dona Genira,
Com a sua banca de novidades, frutas e legumes de primeira,
próximo à rua do Cruzeiro, esquina com a rua das pedras,
comprávamos balaios de feijão de corda, feijão verde, debulhado,
Favas, camarão seco e siri, farinha torrada, goma e polvilho.
E vinha gente do todo lugar, das cidades vizinhas,
das redondezas, e tinha até cordel, literatura,
que a gente gostava de ler, passatempo e refrescos.
Além das tantas outras cordas que a gente empunhava:
cordas de caranguejo goiamum, crustáceo azulado,
semelhante ao caranguejo, mas de paladar muito agradável.
Recordo do 'Picica de Xinene' que já cortava as mantas de carne-de-sol,
Auxiliando seu pai, Cícero Paulino, exímio marchante, cabra bom!
Tica do Mel vendia queijo de coalho, assado na grelha, que delícia!
Enquanto isso, Tota de seu Leopoldo atirava sal nas carnes-secas,
ao jirau, no açougue. Cestas e mais cestos,
couros, salmouras e charques, na rua do curtume.
No varal, almas esticadas sob o sol a pino.
Lá se vendia rolinha frita e nhambu, iscas e 'passarinhas',
além de galinha caipira com farofa e cerveja, geladinha
lá no bar do Eduardo, Maninho. Quem não se lembra?
Ah, tinha caçuás, uma espécie de cestos grandes e oblongos,
mais compridos do que largos, ovais, alongado e longos,
feitos de vime, cipós ou de lascas de bambu, com aselhas,
para pendurar às cangalhas e que é utilizado
no transporte de gêneros alimentícios,
para levar galinhas e outras aves ao mercado,
além de garajaus para transportar peixe seco e rapaduras.
Tinha fumo de rolo, tabaco em pó, rapé e espirros. Atchim!!!
E tantas outras bugigangas, anis-estrelado, cravo, canela e alecrim, etc.
Afinal era dia de feira, dia de domingo, pé de cachimbo...
Céu azul de anil, com cheiro de coisas simples, céu varzeano.
Uma cidade, uma saudade que bate na gente... e dói no peito
e não se acaba o mundo, touro valente!
Dia de domingo, dia de feira, tempo de 'Terezinha
do Couro', de sandálias Havaianas, cuscuz, tapiocas e pé no chão,
retratos de um tempo, que perdura até os dias de hoje.
Tempo de lambe-lambes, réstias de cebolas e alhos.
Ah, antes que eu me esqueça,
o mercadinho do passado ficou lá,
lá no passado mesmo, demolido.
Porque tornava feio o centro da cidade.
AUTOR: JOÃO MARIA LUDUGERO
(Em 15/12/2008).