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terça-feira, 23 de março de 2010

MEU CALANGO, MEU AÇUDE VERDE-MUSGO


Meus filhos, Jordana e Igor Gabriel, ainda não conheciam o Calango. Eu os levei para que descobrissem o açude e apreciassem dali o mais belo pôr-de-sol, que se dá quando se deita o crepúsculo.

Viajamos para o Rio Grande do Norte. Ele, o açude, estava lá na minha Várzea das Acácias, nos esperando.

Eu guardo com carinho algo que marcou a minha infância: nunca me saiu da lembrança de que, quando eu era menino, minha avó Dalila, mãe do meu pai Odilon Ludugero, me levava todo santo dia para apanhar água de beber lá no Calango.

A gente andava por uma estradinha de terra cercada por avelós, até alcançar a porteira de estacas que dava passagem ao terreno onde se encontrava o açude. Àquelas alturas de caminhos de areia, barro e flores silvestres às margens, depois de caminhar um bocado, o açude, que, para mim, mais parecia o mar, estava na frente dos nossos olhos.

E era tanta a imensidão do açude, e tanto o seu fulgor ao refletir a luz do sol, que este menino varzeano ficava mudo de tanta beleza. E ali na beira, nas águas potáveis do açude, minha avó me dava banho de cuia. Era uma ducha de lavar o corpo e o espírito. E a gente voltava para casa muito mais leve, apesar do pote cheio, de rodilha na cabeça, mas com a alma lavada.

Lembro-me de que, quando finalmente conseguia falar, diante do mar, digo, do açude, tremendo, quase que gaguejando, pedia à minha avó Dalila: - Me ajuda a olhar!

E ali eu aprendia a ver, além do paredão do açude, a percorrer os caminhos do começo. Ali eu começara a aprender a criar asas e voar, voar e voar, com os pés no chão, sem medo de ser feliz. Porque feliz é a pessoa que percorre os mais diversos ambientes sem perder a si mesma.

E assim eu continuo a mergulhar no sonho que nunca morre: acreditar que a gente pode chegar lá, lá aonde só chegam aqueles que não entregam os pontos e não ficam prostrados diante da moringa quebrada, diante da queda, pois percebem que é na queda que água ganha força!

Hoje, meus estimados filhos, Jordana e Igor Gabriel, só vieram comprovar o que eu já sabia: o Calango é mesmo muito bonito. Ele pode não ser tão grande, mas para mim, continua sendo um mar de beleza, enorme no coração da minha gente varzeana e o seu pôr-de-sol é, sem sombra de dúvidas, sem igual. Na verdade, o Calango é único, é singular, não tem paradigmas nem parâmetros.

Meu Calango, meu açude de águas verde-musgo, à sua margem, continuo a contemplá-lo, e até viajo em suas águas, durante muito tempo, tenho me visto lá, de novo, a encher a moringa ou bilha de barro para refrescar a água, para matar minha sede, a buscar o caminho das pedras, despido das adversidades da vida, a me ver naqueles dias de outrora, tenho me olhado, olhado e olhado.

E, de tal sorte, caminho serenamente através do barulho e da pressa. E é justo aí que eu me lembro de quanta paz pode haver no silêncio que provém das tuas águas, que o universo continua evoluindo como deve, com todas suas tarefas espinhosas, desilusões ou sonhos desfeitos, que a vida é bela e ainda vale a pena olhar as coisas simples e delas tirar proveito. Acredite!
Me ajuda a olhar de novo?

Autor: João Ludugero, em 07/04/2009.

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