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quinta-feira, 21 de agosto de 2014

VÁRZEA-RN: UM CAÇUÁ DE SAUDADES EM TEMPO DE CACIMBAS, por João Maria Ludugero

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

 
 
 
 
 
 
 
 
 
VÁRZEA-RN: UM CAÇUÁ DE SAUDADES EM TEMPO DE CACIMBAS,

por João Maria Ludugero


Passada a enchente, o rio Joca virava uma linda praia de areia branca, branquinha. Era muito gostoso se deitar naquela paisagem e ficar apreciando a beleza do coqueiral, ali na beira do rio.

Certa vez, recordo-me bem de Lenice de Seu Louro com a sua cesta de feijão-verde e maxixes a cruzar a ponte feita de um único tronco de coqueiro, debruçado sobre o leito do rio, ela tentava se equilibrar para fazer a travessia, segurando as cordas de sisal, cautelosamente. Naquele dia de correnteza forte, a menina Lenice, ao perder o equilíbrio quase tropeçou, e por pouco não foi levada pela força das águas.


O pequeno sítio do Seu Louro, era um banhado, um terreno que ele cultivava, que adubava com afinco durante todo o ano para ficar mais fértil. Ali ele plantava cana, milho, feijão, cajueiros e capim para alimentar seu gado na cocheira perto de casa.



A gente gostava de pescar e de tomar banho no rio. O banho era sempre uma festa. Meninos e meninas a correr, sem medo da liberdade, sem horas para voltar para casa. A gente não tinha muito brinquedo, não, mas nunca abandonava as brincadeiras típicas de crianças. Era um tempo de liberdade e de alegria. Tempo de pitus e carás, de aratanhas nas locas de pedras.
Era um tempo bom, tempo de banhos de rio, de lavar a alma. A gente também ia pegar água nas cacimbas de Seu Antonio Damas, ali às margens do rio. Muita gente ia buscar água e isso se tornara uma rotina, pois ainda não tinha água encanada em Várzea. Muitos moradores do lugar se juntaram para fazer as cacimbas, das quais todos se beneficiavam. A água era meio salobra, às vezes barrenta, mas dava para matar a sede e limpar a casa, além do banho.



Lembro-me que o cabelo da gente ficava meio duro. A paisagem compensava, o verde coqueiral, céu nublado ou sem nuvens, o rio tinha de peixes, passando sob a ponte do coqueiro caído, e em meio a tudo isso, a gente ainda era feliz pegando água de cacimba. E dava graças a Deus de ter cacimbas. Eu fico imaginando o olheiro, o olho d'água, e a gente a bater no fundo da cuia para a água nascer e borbulhar.
Interessante como a gente encontrava alegria nas coisas mais simples, como tomar banho de rio, andar descalço, fazer trilhas e caminhadas pelas margens do rio, sentir o cheiro do mato, chupar cana, pegar caju, umbu e cajá, pescar e ver o pôr-do-sol.... eta vida boa essa vida do interior, quando a gente não tinha vontade ter outra vida, pescando no rio Joca, sem nenhuma ambição, somente voltando à realidade quando, vez por outra, éramos surpreendidos com a queda de um coco, quando corríamos a procurar tal fruto e comê-lo raspado com rapadura. Era o rio a correr, e o tempo passava de mansinho, devagar... sem medo de ser feliz. Eta vida boa!




E lá vinha seu João Valdevino com o carro-de-boi cheio de cana cortada e o balde de caldo de cana prensada lá no seu sítio. Que delícia de garapa!
Lembro-me dos beijus que a dona Maria Marreiros preparava lá na sua casa de farinha, lá do outro lado de lá do rio. Lembro-me de dona Rosa, Lelei e Sandra a ajudar na prensa da goma, do polvilho, elas que se fartavam de tanta tapioca com coco. Que delícia! Até parece que estou vendo a nossa querida Otacília Marreiros, Mãe do meu amigo Carlos Alberto Ricardo da Cruz, o Beto, preparando mil iguarias, pudins de milho-verde, canjica e pamonha. E pasmem, que memória a minha, ao lembrar-me até mesmo da gatinha manhosa de pêlo amarelo a quem seu Zé, pai de Evenice (Badem) chamava de "burundanga".



Acho interessante que guardei tudo, com riqueza de detalhes. Viram, como bem me lembro de tudo, e trazido à tona, assim, é bom que vai ficar gravado na história. A memória pode até turvar, ficar barrenta, feito água de cacimba, mas logo, logo, tudo fica claro, límpido, como a água no dia seguinte. Pode beber que a água é boa, apesar de meio salobra, assim é a lágrima que peleja em cair, lágrima de saudade. Saudade de Várzea, de sua gente, de suas cacimbas.



Saudade é feito cacimba que, com o tempo só aumenta para todos os lados... Batamos as cuias, limpemos as lágrimas dos olhos e sigamos em frente, porque a vida tem dessas cores.

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