MINHA TERNA, SINGELA E QUERIDA SEARA DO VARZEAMAR,
POR JOÃO MARIA LUDUGERO
Resta, acima de tudo, essa capacidade de Varzeamar
Essa intimidade perfeita com o silêncio ao longe,
Resta essa canção astuta pedindo carinho de mãe
Pedindo um abraço do pai, satisfeito na alegria de ter nascido,
E viver de amortecer as dores que marejam meus olhos d'água,
Em razão de aguentar um coração partido...de saudades!
Resta esse antigo respeito pela praça do Encontro Cleberval Florêncio,
Uma roda de conversa na praça da algarobeira,
De frente ao Recanto do Luar de Raimundo Bento
Esse falar baixo, sem alarido, essa cantiga de bem-te-vizinho
Essa mão que tateia antes de ter, esse receio
De ferir tocando, essa forte mão de menino levado da breca
Esse amparo repleto de mansidão para com tudo quanto existe,
Desde à beira do rio Joca ao vapor de Zuquinha...
Resta essa avidez, essa alegria de versos e gestos
Essa garra cada vez maior em quebrar o pote da fantasia
Essa acrobacia infantil de quem espera deslanchar o carrinho de rolimã
Essa brincadeira levada a sério e tão bem apanhada na poesia vivida.
Resta essa comunhão com a sintonia da Várzea das Acácias,
Esse sentimento da Fé em repouso, essa ávida simultaneidade
Do tempo, essa astuta composição poética sem embromação,
Em busca de um formoso mamão maduro, na condição de sanhaço só.
Resta esse coração partido a marejar meus olhos d'água
Diante da igreja-matriz de São Pedro Apóstolo, essa alegria
Diante do cotidiano; ou esse súbito lamento
Ao ouvir passos da mulher que chora na noite
Dentro da lenda que se perde na história...
Resta essa vontade de chorar diante da lembrança
Da minha inesquecível professora Zilda Roriz de Oliveira
Essa saudade em face de me encontrar distante
Essa imensa ilusão convertida em verdade
De que a vida é mesmo assim pelas bermas do deslinde,
Ao me achar diante das duas palmeiras imperiais do padroeiro.
Restam tantas e quantas recordações da velha infância
Dos papos subitamente desentranhados no banco de Nina
Lá de frente à casa de Madrinha Joaninha Mulato
De pequenos manjares, essa bonita capacidade
De rir à toa, na mais fantástica alegoria de ser útil
E essa coragem para entreter-se na varzeanidade.
Resta essa distração, essa disponibilidade, essa estripulia
De quem sabe que tudo já foi como será no vão do vir-a-ser
E ao mesmo tempo essa vontade de servir a contento, essa
Contemporaneidade com o amanhã dos varzeanos do agreste verde
Que não tiveram ontem nem hoje, mas persistem na distinção da lida,
A correr, a andar, a voar dentro e alto, pela seara de Ângelo Bezerra,
No mais possante e destemido tô-fraco feito guiné ou galinha d'Angola
Resta essa inenarrável capacidade de Varzeamar em acordes
De enaltecer a realidade, dentro dessa amplitude
De aceitá-la tal como é, e essa visão apaixonante
Ampla dos acontecimentos, e essa impressionante
E necessária paciência, e essa memória anterior
De um singelo espaço existente , e esse entusiasmo
Espairecido, e essa pequenina luz tão varzeamável
A que o poeta Ludugero dá o nome de esperança renovada.
E assim, ainda resta esse desejo de sentir-se igual a todos
De refletir-se em olhares curiosos cheios de memória
Resta essa riqueza intrínseca, essa vaidade plena
De não querer ser majestoso príncipe senão do seu chão-de-dentro.
Resta essa roda de conversa cotidiana com a morte, essa curiosidade
Pelo momento a vir, quando, apressada ela virá me entreabrir a porteira
Como uma velha amante esbaforida ao desvelo da sorte então consentida,
Mas recuará em véus ao ver-me junto à bem-amada Várzea das Acácias.
Resta esse constante esforço para caminhar dentro do agreste
Esse eterno levantar-se depois de cada queda ao vão do estio
Essa incessante busca de equilíbrio no fio da navalha advinda
Essa terrível coragem diante do grande receio, e esse medo da cuca
Infantil de ter pequenas coragens, chegando a assanhar até mesmo
Os pelos da venta, em face do oásis-meio do labirinto que se recria
E ganha o mundo, a partir das quatro-bocas da Várzea das Acácias!
Nenhum comentário:
Postar um comentário