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terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

VÁRZEA E A VIDA QUE SE LEVA DO RIO AO VAPOR

VÁRZEA E A VIDA QUE SE LEVA DO RIO AO VAPOR


Autor: João Maria Ludugero.


Eu sei disso muito bem,guardo comigo
Essa coisa bonita de se trazer no peito
Essa maiúscula saudade que me aviva o espírito
E prossegue mesmo seco o rio Joca, efêmero
Eu sei do Vapor que o sol faz subir em cada margem
Eu sei da cruz que está ali plantada num recinto
Numa casinha quase abandonada, sem nenhuma vela,
Eu sei da cruz quase esquecida, a cruz do rio
Eu estive a visitar o leito do Joca, cadê o rio?
Encontrei o rio em poças de águas paradas, no estio


Sabes, amigo, quero que fique aqui escrito
E que seja profundo o modo de pensar, de acreditar
Que galos de campina e canários do chão da minha Várzea
prevaleçam a bater suas asas,
livres de gaiolas dos desvãos das casas
Que ainda reste a força que alimenta o braço do rio
Que nada se perca no caminho do sonho
Que uma asa não deixa de bater
porque cai do corpo de um pássaro,
porque mesmo assim de asa ferida, baleado,
O pintassilgo há de resistir, de persistir
De avançar além do vazio, num voo rasante, corajoso
Fazer dessa avoar o motivo de não ficar prostrado,
De não parar, apesar dos pesares, apesar da asa quebrada


Eu escrevo um poema como quem tem fome e sede
Uso as palavras, dou-lhe sentido, faço uma roça, respiro outros ares
Faço lavoura e arado, atiro sementes ao solo, faço um bonito roçado
Preparo antes o terreno, arranco as ervas daninhas, cavo covas
E reflito sentado à margem do rio Joca, sem cruzar os braços
Sol a pino, traço valas e rasgo leirões,
Eu sou varzeano e ainda acredito na força da terra.


Eu calejo as mãos, eu cultivo amor
Eu trago a certeza de colher bons frutos, arroz e feijão
Eu prezo as minhas raízes, eu acho linda a flor do algodão
Eu honro minha estirpe, sou varzeano de fé e esperança
Um dia eu sei terei que partir deste mundo de Deus,
Mas antes, acho nobre honrar o nome que nos dão, ao nascer,
Que fica nos retratos, nos envelopes intactos,nos simples postais
nos poemas que hás-de escrever,na poesia que ora lhes escrevo,
Assim como cartas de amor e protesto,
no intuito de que um dia me leias.


E o rio joca segue seco a sua sina de efêmero,
E eu sigo rente às suas margens, pensativo, nada quieto,
sem optar pela esquerda ou pela direita,
Persigo o longo caminho verde do rio da cruz, encarnado
Eu ainda acredito nessa luz que assola ao meio-dia
Eu ainda creio na força do coração da minha gente
Que continua firme e forte, apesar dos pesados fardos,
Apesar da aridez do agreste, apesar de tudo.


É a coragem que me faz seguir arregaçando as mangas,
E na vastidão do arisco, de pires na mão, eu acredito
Estou fazendo a minha parte, sem receio de escrever,
Mesmo que minhas palavras sejam lavradas ao vento,
Mas quiça valerão a pena, uma vez que alguém curioso
Vai se aventurar numa leitura simples quase sempre
leve como o vento que me arrasta a escrever.


E eu continuo afoito em minha luta
quase sempre a redigir versos simples,
falando de amor e de contentamento.
Versos que ficarão para sempre,
inquietas palavras, que não morrem nunca,
Que voltam a jorrar na alma da gente,
Seja na seca ou na próxima enchente do rio Joca.


Mas cadê o rio que estava ali?
Aguarde suas aguas vertentes, salobras
Um dia desses elas voltarão com toda força!

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