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sexta-feira, 14 de março de 2014

VÁRZEA-RN: UM PASSADO QUE NÃO SE FOI, por João Maria Ludugero


VÁRZEA-RN: UM PASSADO QUE NÃO SE FOI,
por João Maria Ludugero

A saudade me faz lembrar das andanças
De uma Várzea das Acácias de Joaninha Mulato,
Seara potiguar banhada pelo rio Joca.
Recordo-me dos meus chinelos de outrora,
Das minhas antigas bolas dentes-de-leite,
E das minhas antigas canelas finas.
Rico o estalo que me anima, e até
Emite cantiga quando versejado –
Este não é só singelo estalo que uiva;
Quando me agita é o que muito me contenta,
Ao me enveredar pela Várzea
De dona Sule e de Seu Nezinho.

O cheiro do cajá-manga do sítio do Maracujá
Invade o meu paladar e me eleva o apetite
Junto de si para tantas delícias e temperanças
Que me ensejam a bons ares aos pulmões;
Vejo as lascas de cana-caiana pelo chão de dentro,
E caindo novamente sob o interior dos Ariscos
De Seu Virgílio de Dona Eugênia Bento.
Este aroma que cobre a Várzea,
Dentro das casas, tem cheiro de beiju de coco,
De brotes e sequilhos, de doces de caju,
De bolos pretos e de fubá de milho zarolho
E das tapiocas nos tabuleiros de dona Zidora Paulino,
Dona Sinhá me pegava num abraço apertado
Naquele ontem muito distante,
E me sustentava quando eu ia cair.
Ela me brindava com doces cocadas e canjicas
Além de fazer puxa-puxas de rapadura e quebra-queixo,
Sem esquecer das soldas e regalias de dona Carmosina.

Previsível era o dentro da minha casa,
Na lembrança ela era viva e presente,
Enquanto não tinha as fotos, as brasas
Para manter o meu furor pela vida em estripulias.
Abrir aquela porta e não encontrar dona Maria Dalva, minha mãe,
Já não me segura as lágrimas e choro as recordações de outrora;
É coisa deste presente aqui, e agora fico nesta rede que
Tanto me acolheu quando na Várzea de ontem eu estava.
Dona Maria Dalva, minha grande amiga;
Ela acolheu tanta gente além de mim.
Não cobriu as amantes,
Não afundou nas surras,
Não impregnou a sujeira,
Mas me renovou em esperanças.

Era um menino levado da breca e agora, um adulto.
O recinto, porém me assustou, sem a presença dela.
Os olhos nos quadros, nos retratos da estante me seguiam
E relembravam todos aqueles que eu não via mais.
Sentia aquelas órbitas dantescas e macabras,
Que antes eram amadas por mim, me seguirem como se fossem
Berrar por auxílio. Não podia ajudá-las.

Rodopiei nas minhas órbitas e me apoiei com afinco,
Na parede da sala-de-estar, sem mais ela estar por ali.
A sua ausência era fria. Era sólida. Engoliu-me;
Aclivei pelos corredores para chegar às imagens de Santos,
Dos anjos-de-guarda e de Deus de sempre;
Cheguei ao meu quarto. Vislumbrei as paredes caiadas de branco,
O abrir da porta foi o ontem, e me transpassou para os brinquedos,
Os livros, a pintura, as roupas, as janelas, o assoalho...
Era eu brincando a correr dentro daquelas lembranças
Da juventude e da velha infância;
A meia-idade era minha agora (talvez, um pé na velhice).

Olhei para as coisas – Ficaram encardidas, mas eu não me encardi.
Sentei-me ao lado das lembranças e passei a con/versar com elas.
Elas me contaram um bocado de algaravias, dessas de quem não viveu
Enquanto eu estive entretido em ficar tão longe;
E sobreveio um estalo, um acanhado e esquisito estrondo,
Mas que me deixou o peito todo troncho e o coração partido.
Senti um grande alarido, desses de menino chorão...e chorei.
Mas protegido, abracei o meu assanhado amor de outrora,
Abracei o passado, e me enrolei em lembranças à míngua.

Adormeci, acordado em sonhos,
Mas algo me chamava e invadia;
Não era a poesia propriamente dita.
Eram as sobras dos recordares que me procuravam,
Avistavam e me preenchiam, apesar dos tais pesares,
Inteirando agora e para sempre todo o meu reencontro.

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