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terça-feira, 30 de agosto de 2011

VALE QUANTO PESA O AMOR EM CARNE VIVA?

Autor: João Ludugero
(Ilustração: Acrílico "AMOR EM CARNE VIVA",
de Gabriel Ferreira/2010) 

E Maria não desiste da lida. 
Permanece no rabo da fila,
Na expectativa de melhorar de vida
Se espicha como pode, se contorse
Na dança da lagartixa, apanha  
Sem direito a ensaio, que nada
Ela faz das tripas coração.
Ossos do ofício, até vende rifa
Onde o sorteio, o alvo do prêmio
É o seu corpo presente, de fato,
Triste ironia, vende as carnes
Para ter sustento e, na barganha, 
Tenta ganhar o pão.

Maria da raia, não há como evadir-se.
Gira sua sina enquanto o mundo roda e não debanda,
Ela abre o leque pra se abanar, sem remédio, 
Ao transpirar e suar frio no açougue
Ao cair na lábia da freguesia, ao dançar
Para satisfazer estranhos instintos
Na saia do seu destino
Que acende a chama,
Enquanto ela se inflama
Sob a luz vermelha do calçadão.

A vida crua lhe tira o couro
Sem anestesia, sem fazer uso
De navalha alguma, do corte
Maria já nem sente o medo atroz,
Acostumou-se aos malabarismos
Sua vida é dura, não é feita só de batons,
Colares e pulseiras coloridas
Não é moleza não a poda.
Certa feita, distraída no passo,
Numa briga de rua, afoita,
Numa disputa por espaço,
Foi pego desprevenida
E perdeu metade da orelha.

Maria tem receio de que um dia
A moça venha lhe peitar, de súbito,
E, numa cilada, num golpe ou vacilo
Ela possa ser nocauteada, em cheio,
Perder os dentes, ficar banguela,
E nesses moldes, catraca desdentada,
Quem vai querer deitar, me diga,
Com essa pobre dona deformada,
Se a vida já lhe arranca os olhos da cara?
Imagine se se tornar inválida para o batente
Ou lhe aconteça algo pior nesse mundo cão:
Maria das dores ou Maria das graças
Amanheça atirada num canteiro nua
Desfigurada, com a boca cheia de formiga.

Espelho, espelho meu, seria sonho meu
Pensar que a vida real poderia transformar  
O cruel e ambicioso espelho da madrasta,
Obrigando a pobre Maria coitada sem senha 
A usar o elevador de serviço em nome do social,
Ela que tanto já sua ao escalar os 365 degraus impostos 
Ao pagar as promessas com Nossa Senhora da Penha?

14 comentários:

  1. triste realidade ..
    versos crus..
    parabéns!
    beijo.

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  2. A realidade viva em carne crua!
    É a carne que se entrega fora da alma.
    É cruel, mas a vida tem dessas vendas, no açougue lá da esquina, no batente da avenida, na lida! É a vida que custa alto, até os olhos da cara, para muitos o ganha pão. Seu poema é muito bem feito, com a precisão dos olhos de um grande roteirista. És mágico, grande poeta!
    Abraço,
    Heitor Vieira Mendes,
    Escritor mineiro.
    Até mais!

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  3. Belíssimo, forte, real demais:

    "Ossos do ofício, até vende rifa
    Onde o sorteio, o alvo do prêmio
    É o seu corpo presente, de fato,
    Triste ironia, vende as carnes
    Para ter sustento e, na barganha,
    Tenta ganhar o pão".

    Que poema! Que alma que tens, ó poeta iluminado!
    Adorei vir aqui. E vou voltar! parabéns!
    Raoni Vieira Bastos,
    UnB - Brasília.

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  4. Que poema! parece mais roteiro para cinema, com a coordenação precisa, passo a passo para o script! És um grande roteirista ó poeta Ludugero! Posso apostar, que vais longe! Ah se vais! Fui! Abraços,
    Jesus Conrado G. Mello
    Rio de Janeiro - RJ.

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  5. Eu também vou Ludugerar!!! Pois seu blog vicia. Já estou te seguindo. Como não te seguir, és um grande achado na blogosfera. E não posso nem quero mais te perder de vista. Hiper beijo,
    Cinthya Vantuil Mendonça Neves.

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  6. O problema é que, nessa situação, ela não tem condições de sequer pensar em qualidade de vida, é uma pena. São tantas e tantas...Um abraço, Yayá.

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  7. A venda do amor não vale quanto pesa. É deveras muito pesado o fardo nesse mercado da entrega da carne. Denso e verdadeiro o seu poema. És um grande poeta e tens o condão de tratar de diversos temas com maestria, és único. Adorei sua poesia. Tens um blog maravilhoso. Já vou te seguir. Abraços,
    José Alexandre Oliveira Buarque,
    Compositor.

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  8. Cruel, denso, forte e verdadeiro o seu poema. E com um roteiro de primeira. Gostei muito do jeito que escreves, da forma como delineas sua poesia. Muito bom seu olhar poético, porque enveredas a uma linguagem sem desnecessárias amarras, com um toque singular, único, fantástico. PARABÉNS!
    Frederico Torquato Mendes,
    UnB - Brasília-DF.

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  9. Desculpe-me a franqueza: Puta que pariu que poema! Muito, muito bom! Todos os louros da glória e meus sinceros parabéns por tão boa verve poética. És um grande escritor. De verdade, coisa difícil nos dias atuais. Vê-se tua preocupação com a gramática, com o bom português, com a exatidão de tuas letras benditas.
    Muitas loas!
    Miguel Abrantes Jardim,
    Poeta - BH.

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  10. Supimpa! Supimpa! Supimpa!
    Muito, muito bom... Sensacional escrita, depurada, arraigada, forte e sensível à dura e crua realidade. A ti, ó poeta, tito o meu chapéu! Beijaço.
    Lena Fioravanti Melquíades.

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  11. Que poema!
    A vida tem dessas vendas.
    E o poeta aqui tão bem descreve como um quadro em sua moldura nua, crua e real. Grande texto!
    Gosto da sua poesia.
    Já vou correndo te "perseguir".
    Abraço,
    Giselle Maria Sanches,
    Vitória -ES.

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  12. Caro poeta Ludu, aqui mais um poema de sua autoria que eu gostaria de ter escrito. Sinceramente, morro de inveja desse dom, e como o fazes bem. Risos! Mas te aplaudo com muita alegria por existires. Parabéns!
    Gino Marconi Veronezzi,
    UnB - Brasília - Distrito Federal.

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  13. Olha, olha que maravilha de texto: cruel, duro, árduo, nu e cru feito a vida real! Muito bem bolado, assim como uma fotografia tirada na exata profundidade da venda da carne, da entrega do amor que não se entrega, mas se joga a fim de angariar o pão da sobrevivência, mediante a entrega do corpo. A vida como ela é.
    Até mais, poeta de fértil imaginação, mas com o roteiro certo de uma realidade que se avista no meio-fio da esquina.
    Até mais... Abraços,
    Sou teu fã: Diogo Hernandez Ribeiro.

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  14. Oi João, passando rapidinho só para te desejar... UM ÓTIMO DIA!!! Beijos

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