Seguidores

domingo, 31 de maio de 2015

ASAS DA VARZEANIDADE, por João Maria Ludugero

 
 
 
 
ASAS DA VARZEANIDADE,
por João Maria Ludugero

Sempre que a varzeanidade ousa em minhas palavras,
elas são abençoadas por São Pedro Apóstolo.
As quatro-bocas conduzem o homem para o Vapor,
para as águas do rio Joca ao açude do Calango, aos verdejantes juazeiros, ao radiante lusco-fusco alaranjar as flores do mulungu, a reflorescer o jasmim-manga, a nos fazer andar, a correr dentro, a voar alto feito bem-te-vizinho na tarde amena da Várzea que me nina...

Ser escolhido por um anum para ser o juazeiro dele:
eis o orgulho de um juazeiro.
Ser acolhido pelas Formas, vertentes dos ariscos,
sem temer o Gado Bravo nem a cuca esbaforida,
ganhar o rumo da Lagoa Comprida, ir ao Riacho do Mel,
assar castanhas de caju lá nos Seixos de dona Santina,
é afoito o meu coração partido de saudades, que passa a transbordar meus olhos d'água, desde a algarobeira da praça do Encontro Kleberval Florêncio, até chegar ao Recanto do Luar de Raimundo Bento:
eis o esplendor da varzeanidade que não silencia.
Ouvir as solenes cantigas do canário-de-chão, das patativas, dos sabiás, dos pintassilgos lá no sítio do Seu Tida, ser acordado pelo destemido tô-fraco dos guinés ou galinhas d'Angolas para ser admirador delas:
eis a varzeanidade dos pássaros do agreste potiguar.

Por outro lado, o orgulho do Itapacurá é o de ser escolhido
por galos-de-campina, por tetéus, por andorinhas que lhes entregarão a inocência, a partir da casa-de-farinha lá do sítio de Tio João Pequeno ou da seara do carrego das pitombas lá do quintal da casa de dona Julieta Alves.
(Sei entrementes que a varzeanidade faz cópia de pássaros e ninhos, que a varzeanidade reproduz passarinhos cantigueiros - bem louvo a varzeanidade por seus benefícios à Várzea de Ângelo Bezerra, mas não concordo que a varzeanidade não se aplique em produzir encantamentos.)
Por quê não medir, por exemplo, a extensão do canto do sabiá do sítio dos Quilaras?

Por quê não medir a relação de amor que os passarinhos têm com as brisas da manhã Vapor de Zuquinha?
Por quê não medir a amorosa enchente do rio Joca na época das chuvas no dentro da Várzea?

Eu queria aprofundar o que não sei, como fazem os poetas, mas só na área dos encantamentos.
Queria que nenhuma tramela fechasse a minha criatividade,
para eu sentir melhor as coisas varzeamadas ainda incriadas.
Queria poder ouvir os lambus quando eles esvoaçam lá pelas leiras do Maracujá ou pelo Umbu, dando existência a arteiros e disparados esvoaçares.
Queria descobrir por quê os pássaros escolhem a amplidão para viver
enquanto os homens escolhem ficar encerrados em suas cancelas.
Sou leso em tratar com o silêncio; mas já inventei, para meu gasto,
um aferidor de encantamentos, uma espécie de quebra-de-pote da fantasia.
Queria medir os encantos existentes nas coisas singelas do agreste de Zé Canindé.
Eu descobri que o sol, o rio Joca, as árvores e os arrebóis lá da Nova Esperança de dona Tonha de Pepedo são mais enriquecidos pelos passarinhos do que por um magote de homens em debandada.

Eu descobri, com o meu contador de encantamentos, que os mulungus, os canapus, as beldroegas e os melões-de-São-Caetano são mais filiados dos pássaros do que os afoitos e carrancudos homens no levante das enxadas.
Porque eu entendo, desde a minha singela percepção, que o vitorioso, no fim das contas, é aquele que atinge o voo dos passarinhos, protegendo seus ninhos e primorosas junções das vertentes do Gravatá.
Ah, que a minha varzeanidade, dia-após-dia, possa agora servir de abrigo para todos os voos do agreste de Zé Lambu.


Nenhum comentário:

Postar um comentário