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terça-feira, 12 de maio de 2015

ASAS DA VARZEANIDADE, por João Maria Ludugero

 
  
 
ASAS DA VARZEANIDADE,
por João Maria Ludugero

Sempre que a varzeanidade ousa em minhas palavras, 
elas são abençoadas por São Pedro Apóstolo.
As quatro-bocas conduzem o homem para o Vapor,
para as águas do rio Joca ao açude do Calango, 
aos verdejantes juazeiros, ao radiante lusco-fusco alaranjar 
as flores do mulungu, a reflorescer o jasmim-manga, 
a nos fazer andar, a correr dentro, 
a voar alto feito bem-te-vizinho 
na tarde amena da Várzea que me nina...

Ser escolhido por um anum 
para ser o juazeiro dele:
eis o orgulho de um juazeiro.
Ser acolhido pelas Formas, vertentes dos ariscos, 
sem temer o Gado Bravo nem a cuca esbaforida,
ganhar o rumo da Lagoa Comprida, ir ao Riacho do Mel,
assar castanhas de caju lá nos Seixos de dona Santina,
é afoito o meu coração partido de saudades, 
que passa a transbordar meus olhos d'água, 
desde a algarobeira da praça do Encontro Kleberval Florêncio, 
até chegar ao Recanto do Luar de Raimundo Bento:
eis o esplendor da varzeanidade que não silencia.

Ouvir as solenes cantigas do canário-de-chão, 
das patativas, dos sabiás, dos pintassilgos 
lá no sítio do Seu Tida, ser acordado pelo destemido tô-fraco 
dos guinés ou galinhas d'Angolas para ser admirador  delas:
eis a varzeanidade dos pássaros do agreste potiguar.

Por outro lado, o orgulho do Itapacurá 
é o de ser escolhido por galos-de-campina, por tetéus, 
por andorinhas que lhes entregarão a inocência, 
a partir da casa-de-farinha lá do sítio de Tio João Pequeno 
ou da seara do carrego das pitombas 
lá do quintal da casa de dona Julieta Alves.

(Sei entrementes que a varzeanidade faz cópia 
de pássaros e ninhos, que a varzeanidade reproduz 
passarinhos cantigueiros - bem louvo a varzeanidade 
por seus benefícios à Várzea de Ângelo Bezerra, 
mas não concordo que a varzeanidade 
não se aplique em produzir encantamentos.)

Por quê não medir, por exemplo, 
a extensão do canto do sabiá do sítio dos Quilaras?
Por quê não medir a relação de amor que os passarinhos 
têm com as brisas da manhã Vapor de Zuquinha?
Por quê não medir a amorosa enchente do rio Joca 
na época das chuvas no dentro da Várzea?

Eu queria aprofundar o que não sei, 
como fazem os poetas, mas só na área dos encantamentos.
Queria que nenhuma tramela fechasse a minha criatividade,
para eu sentir melhor as coisas varzeamadas ainda incriadas.
Queria poder ouvir os lambus quando eles esvoaçam 
lá pelas leiras do Maracujá ou pelo Umbu, 
dando  existência a arteiros 
e disparados esvoaçares.
Queria descobrir por quê os pássaros 
escolhem a amplidão para viver
enquanto os homens escolhem ficar 
encerrados em suas cancelas.
Sou leso em tratar com o silêncio; 
mas já inventei, para meu gasto,
um aferidor de encantamentos, 
uma espécie de quebra-de-pote da fantasia.

Queria medir os encantos existentes 
nas coisas singelas do agreste de Zé Canindé.
Eu descobri que o sol, o rio Joca, as árvores 
e os arrebóis lá da Nova Esperança de dona Tonha de Pepedo 
são mais enriquecidos pelos passarinhos 
do que por um magote de homens em debandada.
Eu descobri, com o meu contador de encantamentos, 
que os mulungus, os canapus, as beldroegas 
e os melões-de-São-Caetano são mais filiados 
dos pássaros do que os afoitos e carrancudos homens 
no levante das enxadas.

Porque eu entendo, desde a minha singela percepção, 
que o vitorioso, no fim das contas, 
é aquele que atinge o voo dos passarinhos, 
protegendo seus ninhos e primorosas junções 
das vertentes do Gravatá.
Ah, que a minha varzeanidade, dia-após-dia,  
possa agora servir de abrigo para todos os voos 
do agreste de Zé Lambu.

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