ASAS DA VARZEANIDADE,
por João Maria Ludugero
Sempre que a varzeanidade ousa em minhas palavras,
elas são abençoadas por São Pedro Apóstolo.
As quatro-bocas conduzem o homem para o Vapor,
para as águas do rio Joca ao açude do Calango,
aos verdejantes juazeiros, ao radiante lusco-fusco alaranjar
as flores do mulungu, a reflorescer o jasmim-manga,
a nos fazer andar, a correr dentro,
a voar alto feito bem-te-vizinho
na tarde amena da Várzea que me nina...
Ser escolhido por um anum
para ser o juazeiro dele:
eis o orgulho de um juazeiro.
Ser acolhido pelas Formas, vertentes dos ariscos,
sem temer o Gado Bravo nem a cuca esbaforida,
ganhar o rumo da Lagoa Comprida, ir ao Riacho do Mel,
assar castanhas de caju lá nos Seixos de dona Santina,
é afoito o meu coração partido de saudades,
que passa a transbordar meus olhos d'água,
desde a algarobeira da praça do Encontro Kleberval Florêncio,
até chegar ao Recanto do Luar de Raimundo Bento:
eis o esplendor da varzeanidade que não silencia.
Ouvir as solenes cantigas do canário-de-chão,
das patativas, dos sabiás, dos pintassilgos
lá no sítio do Seu Tida, ser acordado pelo destemido tô-fraco
dos guinés ou galinhas d'Angolas para ser admirador delas:
eis a varzeanidade dos pássaros do agreste potiguar.
Por outro lado, o orgulho do Itapacurá
é o de ser escolhido por galos-de-campina, por tetéus,
por andorinhas que lhes entregarão a inocência,
a partir da casa-de-farinha lá do sítio de Tio João Pequeno
ou da seara do carrego das pitombas
lá do quintal da casa de dona Julieta Alves.
(Sei entrementes que a varzeanidade faz cópia
de pássaros e ninhos, que a varzeanidade reproduz
passarinhos cantigueiros - bem louvo a varzeanidade
por seus benefícios à Várzea de Ângelo Bezerra,
mas não concordo que a varzeanidade
não se aplique em produzir encantamentos.)
Por quê não medir, por exemplo,
a extensão do canto do sabiá do sítio dos Quilaras?
Por quê não medir a relação de amor que os passarinhos
têm com as brisas da manhã Vapor de Zuquinha?
Por quê não medir a amorosa enchente do rio Joca
na época das chuvas no dentro da Várzea?
Eu queria aprofundar o que não sei,
como fazem os poetas, mas só na área dos encantamentos.
Queria que nenhuma tramela fechasse a minha criatividade,
para eu sentir melhor as coisas varzeamadas ainda incriadas.
Queria poder ouvir os lambus quando eles esvoaçam
lá pelas leiras do Maracujá ou pelo Umbu,
dando existência a arteiros
e disparados esvoaçares.
Queria descobrir por quê os pássaros
escolhem a amplidão para viver
enquanto os homens escolhem ficar
encerrados em suas cancelas.
Sou leso em tratar com o silêncio;
mas já inventei, para meu gasto,
um aferidor de encantamentos,
uma espécie de quebra-de-pote da fantasia.
Queria medir os encantos existentes
nas coisas singelas do agreste de Zé Canindé.
Eu descobri que o sol, o rio Joca, as árvores
e os arrebóis lá da Nova Esperança de dona Tonha de Pepedo
são mais enriquecidos pelos passarinhos
do que por um magote de homens em debandada.
Eu descobri, com o meu contador de encantamentos,
que os mulungus, os canapus, as beldroegas
e os melões-de-São-Caetano são mais filiados
dos pássaros do que os afoitos e carrancudos homens
no levante das enxadas.
Porque eu entendo, desde a minha singela percepção,
que o vitorioso, no fim das contas,
é aquele que atinge o voo dos passarinhos,
protegendo seus ninhos e primorosas junções
das vertentes do Gravatá.
Ah, que a minha varzeanidade, dia-após-dia,
possa agora servir de abrigo para todos os voos
do agreste de Zé Lambu.
Nenhum comentário:
Postar um comentário