Na frente da igreja-matriz
De São Pedro apóstolo
Lá na minha Várzea
Foi montado um pau-de-sebo.
Lá está ele possante, majestoso,
Liso a brilhar sob o sol radiante.
Quase todo mundo, solteiro, casado,
Amasiado, amigado, mancebado
Quer nele trepar, provar fôlego,
Não só pra ter mão da grana, do prêmio
Chamariz afixado bem lá nas alturas,
Mas pra chegar, se mostrar valente
Bem no topo do pau ensebado.
Até Maria Pereira está afoita em participar,
Mas cheia de pudores, acanhada que só vendo,
Tem vergonha de não dar conta do recado
E escorregar a meio pau. Que vexame!
Seria muita pagação de mico,
Depois virar motivo de chacota,
Ficar falada às quatro bocas da rua grande
Ou ganhar o apelido de Maria mole,
Por não ter conseguido seu intento.
Sem contar que nunca nenhuma mulher
Se sujeitou sequer tentar a subida em público
No lustroso pau-de-sebo da quermesse.
Ela seria a primeira dama à altura do pau.
Maria matutou, matutou. E não mais titubeou.
Justo ela que sempre foi pau pra toda obra.
Se inscreveu, entrou na fila
Pra encarar o engraxado pau da hora.
Maria é doida varrida, não é boa da bola.
Vai cair de boca no sebo, ficar toda molhada
De suor, escorrer no pau, se esborrachar toda no chão.
Vozes estridentes gritam, em uníssono:
Sai daí, Maria-homem, sua louca,
Vai procurar uma lavagem de roupa
Ou raspar uma quenga de cocada,
Ou rezar a ladainha lá com as outras.
Não vês que isso é obra de macho?
Maria faz vista grossa e ouvidos moucos
E vai à luta, fazendo de conta que não é com ela.
Marmanjo nenhum, mesmo polvilhado de talco
E quilos de araruta, consegue passar do meio mastro
(Ser bom de bolas não é tudo).
E chega a vez da Maria, que não foi com as outras.
Ela, esperta, logo se lembra de que há muito tinha a manha
De trepar em pé de pau (aprendeu cedo na lida
Quando apanhava frutas no quintal).
E que, para viabilizar a subida, não usava peias
Nem aqueloutros apetrechos pra subir em pés de coco.
Ela usava sim o visgo da jaca. Acredite, não estou inventando.
E subia embalada até nos mais lodosos lenhos.
Não deu outra, caladinha assim procedeu.
Subiu o madeiro numa única levada. Virgem santa!
Maria não brecou, num jogo de corpo e tronco
Galgou seu medo de escapulir. Na marra,
Segurou o pau com toda força, destemida, a pique
Agarrou-se na estaca e... Venceu. Mais pau que fosse!
Mesmo incrédulo, o povo ridente aplaudiu à beça,
Quando ela feliz atingiu o seu cume, chorando de alegria
Pela vitória que calou a boca de muita gente,
Que só sabe covardemente meter o pau, gastar saliva,
Feito lesma a se arrastar pelos muros alheios, e morrer seca,
Que já nasce fadada ao fracasso e morre na beira.
Valeu, Maria! O mérito é todo seu. Soubeste mostrar
Que nem todo pau-de-sebo é coisa de cabra macho.
Que venham outros paus, outros sebos, outros páreos.
Tudo pode virar toquinho nas mãos dessa mulher.
Maria Pereira da Silva não está nem aí pro menoscabo
Nem pro seu mais novo sobrenome, nova alcunha.
Até se orgulha do codinome:
Maria Machadão!