autor: João Ludugero
Várzea
não a Várzea
da mulher que chora infeliz
com uma troucha de roupa na cabeça
e na outra mão a puxar uma criança faminta,
não a Várzea politicamente dividida
de um lado corujões
do outra banda, bacuraus
Várzea de São Pedro
sim a Várzea unida
das quermesses
das fogueiras
das novenas
dos folguedos
das quadrilhas de Seu Bita
do anarriê de dona Conceição Dama
da feirinha livre aos domingos
Várzea que aprendi a amar desde cedo
Várzea do milho e da pipoca
Várzea da minha infância
da sinuca do Salão São Luís
de Seu Lula Florêncio, pai do Silva
do Seu Otávio Gomes, pai do Maninho
da rua grande do mercadinho
onde a gente brincava de tudo
da rua onde morava Seu Walfredo
onde a gente ganhava torrões de açúcar pra fazer puxa-puxa
da rua onde plantadas as duas majestosas palmeiras
do Seu Minô de dona Marina que proseava ali na esquina
sentado numa cadeira de balanço
a espreguiçar a rotina numa pele de carneiro tingida de laranja
depois do jantar as famílias tomavam a calçada com cadeiras
conversas jogadas fora, fiados mexericos
namoros no oitão da igreja, amassos e risadas
um magote de meninos e meninas brincava no meio da rua
um magote de gente de bem com a vida,
gente que não carecia de razão alguma pra ser feliz
porque a felicidade estava o tempo todo ali, de sobra
mesmo que fosse de vidro
o anel que a vida nos desse,
porque brilhante era o sorriso
que ladrilhava nossa rua
e a gente adormecia no colo de Mãe Dalila,
a sonhar com o amanhã,
a pegar com a mão o sol de um novo dia
essa é a Várzea que a gente leva
pra sempre guardada no coração,
relicário do amor que fica
essa é a Várzea que a gente leva
pra sempre guardada no coração,
relicário do amor que fica
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