De vassoura em punho,
de sol a sol, só pra variar,
Dalila recomeçava o dia.
Lavava os pratos na pia,
enxugava o suor do rosto
e a lágrima que escorria no canto da boca
em face do pranto das dores antigas
passava, cozia, torcia, se contorcia pra dar conta do recado,
Esquecendo de si mesma, de se recompor.
ela muito bem sabia cuidar dos outros
ela rondava e rondava a sala-de-estar sem estar lá.
Varria os corredores, espanava a poeira
dos móveis, com suas mãos calejadas
esfregava o grude e as nódoas alheias,
tirava as manchas dos panos das trouxas
e quase sempre estava lá esvoaçante
dependurada junto com as roupas limpas,
coração no varal, alma esticada no curtume,
esperando secar sob o anil azul do céu de sol a pino.
Ó, céus! mais parecia escrava a vida dessa coitada,
até que um dia resolveu fazer diferente:
Acordou mais tarde, se pintou resolvida...
levantou os seios e o corpete, se enxergou bonita
de frente ao espelho sorriu, fez caretas. Despiu-se.
Cansada de ser maria-vai-com-as-outras,
ela se dispôs a mudar de vida:
cansou de comer as sobras do que já estva na mesa,
arregaçou as mangas, arrebitou as nádegas
e foi pra lida rodar a bolsinha na feira 'Daspu'...
E chega desse negócio de assim ou assado,
bem ou mal passado, no ponto da esquina...
A gente nasce pra ser o que quer, guarde suas penas!
Se ela acordou a tempo de ser o que lhe apraz,
simplesmente não se importa com o pensar alheio.
Hoje ela acorda vestida em lantejoulas, satisfeita
com a lida que a leva, rezando pra que logo escureça
e a rua acenda seus néons e estrelas
só pra ela subir no salto e brilhar, se achando rainha do pedaço
nos braços de quem melhor puder lhe pagar
amor.
amor.
Il faut se réveiller en se disant que le bonheur est aussi pour soi...
ResponderExcluirGros bisous
O encontrar-se na valorização própria, seja como for, se lhe apraz, nada mais importa. Um poema-reflexão, excelente!
ResponderExcluirAbraço, Célia.
É impressionante como a Dalila trai o Sansão! Amélia, já não. Um abraço, Yayá.
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