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terça-feira, 24 de novembro de 2009

ESPOJADOUROS (POEMA DE AMOR E DE SOMBRAS)

ESPOJADOUROS (POEMA DE AMOR E DE SOMBRAS)


Autor: João Maria Ludugero.



Eu me aventuro ao desbravamento
Eu sigo a mata verde, adentro o caminho do roçado,
Eu persigo trilhas, levanto e finco bandeiras,
Eu me apanho pensando na minha pequena cidade
Da felicidade, minha Várzea de Ângelo Bezerra,
Meu rincão potiguar, minha seara de São Pedro!


Eu me viro pelo avesso, arregaço as mangas,
Eu dobro e desdobro a barra do tempo, em malabarismos,
Eu me acalmo no alvoroço da esquina da rua da matança,
Eu não tenho medo de pólvora nem estampido da rua nova,
Eu sou varzeano, sacudo a poeira e das pedras faço um castelo
E começo de novo, a partir do zero, sem temer às cinzas do Cruzeiro,
Nem aos arames, se preciso for, com todo esmero,
Eu me enveredo pela mata agreste, não me desmantelo,
Apenas atravesso a Vargem bueiros a fora, sem trégua,
Eu sigo o caminho que me leva aos Seixos, léguas e léguas,
Sou detentor de esperanças novas e renovo as velhas!



Eu sei de cor cada endereço, cada beco,
Eu não tenho medo de encruzilhada,
Eu trago nas veias o sangue nobre dos Ludugeros
Com todo orgulho, fiquei sabendo que meu avó era da estirpe
Dos homens de coragem lá do agreste,
Daqueles que não medem esforço, nem distância
Que debulham o milho seco, à mão,
Que pegam touro bravo, no laço,
Que não dão murro em ponta de faca,
Mas podem dar nó em pingo d'água,
Que apanham algodão sob o sol a pino,
Que não têm medo de bicho-papão,
Que papam é o bicho e o figo, se for preciso,
Que não têm medo de lobisomem!


Lobisomem - homem que, segundo a crendice popular varzeana,
Dentre tantas outras, espojava-se, fazia-se cair na terra,
Estendia-se e rebolava-se ao chão, no pó,
Na poeira aquecida onde se espojam os animais...
Vindo a se transformar em lobo e a vagueiar nas noites
De sexta-feira pelas estradas, até encontrar quem,
ferindo-o, o desencantasse... ou por ele se apaixonasse.


Teria sido o meu avó, o Sr. José Ludugero, dessa linhagem?
Nem mito nem lenda, eu acredito mesmo é no sangue e na força
Que corre em minhas veias, que bombeia
O meu coração genuinamente varzeano,
Assim já me fazia acreditar dona Dalila da Conceição,
Minha avó paterna, que, empunhando seu terço
De contas azuis, sua principal arma,
Seu Rosário, essa senhora dominava qualquer lobo ou homem,
Que com fé santa, garra e coragem,
Não se pode negar, ela as tinha de sobra!


Sem desprezar a lenda, apraz-me a história, e conto além,
Como bom varzeano, tento cruzar a nado o rio Joca, cheio
E consigo nele me banhar, como um príncipe,
Que despe seu corpo, disposto ao calor de 36 graus,
Sob o Vapor vital ao som de canários
E bem-te-vis, nele me desnudo, despojado
De fadigas, relaxo os sentidos ao som de pintassilgos
Que afagam meu espírito altivo, numa cantiga canora
Que me faz pássaro alado a flutuar acima de mulungus
Ao som de silêncios e sussurros,
Que me transportam à margem do Calango,
Que fazem meu pensamento se elevar ao castelo dos sonhos,
Enquanto mergulho afoito, e nado no açude do teu corpo,
Só pra não me afogar em tuas lembranças,
Minha Várzea, meu amor!


Quanto à menina-desejo,
De que me importa o seu esquecimento, agora,
Por que carregar esse fardo esse peso, esse desamor
Se já pacifiquei no relicário do meu peito,
Essa dor que se alojou, que veio habitar em mim
E chegou sem pedir licença, entrou tocando cítaras
Com cara de anjo, deixando-me com sintomas
De um menino amedrontado
Do qual tiraram o doce da vida?


Chega de chorar o leite derramdo, de fato!
Da minha janela, eu já ouço teu gemido,
Da minha janela vejo os males do mundo, de passagem,
Mas não mais me assombro com tuas ruínas, oh, menina!
Apesar da minha vida comum, da rotina,
Hoje eu prefiro a simplicidade das coisas da vida,
Não espero mais que me atires tuas tranças,
Não quero mais essa vida de náufrago numa trilha deserta,
Que anda à-toa, que nada, nada e morre no paredão do açude,
A sangrar suas iras, suas mágoas, no raso,
Entre saudades que não valem a pena, oh, menina!


Porque não mais importam teus afagos,
Não mais quero teus beijos apanhados,
Não quero mais essa sua artimanha
Esse querer me bater, só pra assoprar depois.
Chega disso, não quero mais ficar na tua sombra, a esperar por migalhas!
Teus ruídos, teus cheiros se evaporaram, perderam a cor
E a ferrugem tomou conta do seu sorriso apagado...
E pensando bem, já foste tarde!
De uma vez por todas, graças a Deus,
Foste embora juntamente com o carro encantado
E levaste contigo uma mulher que chora, pra sempre,
Na lenda que um dia se fez lá pras bandas do Vapor de Zuquinha!

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