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quinta-feira, 29 de novembro de 2012

BONECA DE LUXO


Menina trombuda
Que se veste desarrumada 
E se desnuda demente 
Feito uma boneca carregada 
Que, a seu bel-prazer, 
Fantasia-se de trapos,
Entre plumas e lantejoulas.
Estica cabelos, escova fios,
Arranca pelos e sinais,
Arranja tranças em cabeças
De vento... tão magricela,
Ela tece luxo em andrajos,
Em cada passo, desfila aos flashes
De cabotinos olhares de paparazzi,
Tão alheia ao tentar o equilíbrio.
Se chora, logo estanca as lágrimas...
Retoca as tintas da cara, eufórica, 
E logo se atira num salto escorregadio.
Top model, rosto esquálido, nariz de rebite, 
Mais parece aquela antiga boneca de porcelana
Que, muitas vezes, assusta e dá calafrios, de súbito,
Possivelmente, por ter muita semelhança com a realidade,
Que não se mostra na passarela.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

DEUS NOS ACUDA!,por João Maria Ludugero


Quantos balas ainda faltam para calar nossa língua?
Quantas falas ainda faltam para o próximo silêncio?
E quantos presuntos serão largados nas esquinas,
Até quando beijarão nossos lábios na penumbra
- colados ao chão - vidas abortadas?
Bradará a língua ao meio-fio 
Ensandecida pela rua do/ente 
De torpes motivos a sangue frio?
E o cidadão sucumbe pacato, à queima roupa.
Cadê a polícia, não para nos prender inocentes
Ao abuso de poder?
Importa buscar na cadência das horas
Um jeito de estancar o medo, o pavor que perambula
Em carne viva, sentido em cada vão da cidade nua,
Porque 'tamos de ovários cheios de violência'.
Quem arcará com a culpa pela ceifa de vidas,
Pelo estupro, pela hediondez latente 
Que toma conta da avenida Brasil,
Se as autoridades fazem vista grossa passando ao largo?
Meu coração em vigília aguarda um simples aceno...
Dia-após-dia, eu indago e não me chega a resposta
Em que ralo ou casa-da-mãe-joana 
Estão atolando os nossos tão altos impostos?
Até quando vamos ficar de braços cruzados ao léu?
A morte vive a nos rondar, enquanto a sorte fica no ar
ligada a te ver sendo filmado, sem hora para o "the end". 

terça-feira, 27 de novembro de 2012

PEDALANDO ENTRE CHEIROS E RUÍDOS


Andar de bicicleta tem cheiro 
De mato verde e terra molhada
É algo assim corriqueiro, diga-se de passagem, 
Parece uma coisa banal sair por aí pedalando, 
Mas uma coisa é certa: 
Nenhum dia é igual ao outro, 
Os mesmos lugares se pintam diferentes, 
O vento a ventar na cara da gente 
Faz um bem da gota serena! 
Eu ganho o mundo a cada pedalada, 
Escuto pássaros e um bater de cancelas se abrindo 
A me levar a algum lugar, a um verde perto. 
E o coração ainda mais se excita 
Quando a gente voa de bicicleta. 
E dá pra sentir o interior das cidades, ruas, trilhas 
E caminhos que viram um leque 
De acordes a louvar Deus, 
Entre realidade e sonho, repleto de cheiros e ruídos. 
Dá para sentir o aroma do capim, do jenipapo maduro, 
A alma de flor a evolar, em dádivas antigas, 
O jasmim e as damas da noite. 
O rescender amadeirado das folhas secas 
Das mangueiras e dos cajueiros, 
O néctar das flores silvestres, 
O arisco odor do mel do riacho... 
De onde será que advêm tantos 
Cheiros a ativar o cérebro? 
Recordações de verdade deságuam, brotam 
Quando caem as primeiras chuvas... 
Cheias do céu, águas encharcam a terra seca 
E, levantando vapores, me levam 
Por léguas e léguas às lonjuras. 
Interessante, mas quando presencio 
Uma chuva que acabou de cair, 
Passo a viajar por dentro do cheiro 
Dos potes de barro com água, 
Que ficavam no quintal 
Da casa da minha avó Dalila. 
Pode fazer muito tempo, 
Mas é como se fosse agora, a me ninar 
Nesse pedalar de ideias 
Que me leva a inspirar bons ares. 
(Quando ando de bicicleta, 
Não só meus pés giram… 
De cabeça feita, 
Claro que deixo o coração circular).

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

DE PERNAS PARA O AR


Ela me deixa assim…de pernas pro ar!
E eu fico aqui, só pensando na minha gente.
Da vida de acolá nunca esqueci… confesso. 
Então vem o amor só pra me fazer contente!
Enquanto te lembro,  fico a sonhar acordado .
Fecho os olhos e a ti vou viajar, de certo,
Nos teus braços é que me acho inteiro,
No teu colo é tão gostoso descansar!
Sabes? Desse sonho não quero acordar!
De pernas para o ar penso em ti, desperto.
É doce este embalo que trago em meu peito.
Por isso, Várzea, torno a repetir:
Eu já conto as horas nos dedos
Só pra te ver de perto, de novo,
Só assim posso me sentir feliz!
Ao chegar a ti, quero uma rede no alpendre
Com vista a alcançar o pôr-de-sol 
Desde o açude do Calango…
Ah! Vou revirar a vida 
De pernas para o ar!
Pode apostar:
Não quero abrir mão 
De bem-estar no interior,
Acordado a sonhar 
Junto à vida deste meu lugar!

domingo, 25 de novembro de 2012

ZINABRES, por João Maria Ludugero


Cheiros e ruídos  invadem a casa, 
As molduras dispostas na parede  
Ganham cores cinzas, ácidas.
O passado a limpo tanto encharca 
Quando encobre de azinhavre as pratas.
Tudo tem um jeito encardido na estante.
A Jarra, o pote, a moringa
A gamela no jirau a secar a puba,
A bisaca de farinha de mandioca
O tacho de cobre, o zinabre
A cela, os estribos, o arreio
O tempo enferruja as catracas
No desapear das horas 
Num bater de cascos incansável
Folhas secas pelo chão de dentro
Vento a ventar no riachão,
Bichos soltos a pastar no Vapor
Grito seco da moenda caiana
Caldo de cana nos ariscos
Estouro de saudades da Várzea
No topo da igreja, São Pedro apóstolo
De sentinela a olhar por nós
No peito, prevalece a fé santa  
Que não oxida nem corrói 
A desatada alma da gente
Que prossegue contente 
Em cores vivas!

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

FOGO NAS VEIAS


O poeta arde em achas, 
O poeta mira-se de pé,
Levanta-se, num sopro, das cinzas,
Circula de todos os lados e de banda
Ao emendar os cacos 
Do coração partido. 
É um guerreiro 
Das palavras benditas,
É mesmo um cavaleiro 
De fogo nas veias, 
Desses de acender o sol 
Em chama e brasa. 
Sua rota, ele traça 
Ao passar sebo nas canelas
E ganhar o mundo, eira e beira,
A desvendar almas encostadas. 
Ele é o retrato vivo 
No instante preciso
Em que se escuta 
Dentro do canto 
A imensidão 
Dos sentidos.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

DE QUINA PRA RUA


Do ponto de partida, 
Sofia aprende a ser prostituta,
Só pra ganhar a vida. 
Ela não sonha alto ao subir no salto.
Ela dobra a esquina sem escolha.
Ela roda a bolsa, se apruma como pode
Ao meio-fio da venda,   
Fazer a corte lhe custa 
Os olhos da cara.
Desde menina nunca havia sonhado 
Com nada parecido: a vida nua e crua.
Debaixo da ponte ou do viaduto
Presa fácil, cai na lida,
Desvenda a coragem na rua,
Suficiente para entregar a carne
Antes que venha a vida afiada 
E, num toque de caixa, confisque a sua! 

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

QUANDO É TEMPO DE MANGAS


E aí eu fico só de cubar
De vontade de trepar num pé de manga
Carregado de frutos,
Quando chega o fim do ano na Várzea.
Manga verde nessa época madurando
Chega a dar água na boca 
Pelos quatro cantos,
Pelas quatro bocas adentro,
Logo espalhando folhas nos quintais, 
Expondo frutas amarelas no alto das copas
A roubar a cena, 
Caindo sob o olhar adocicado 
De quem a corteja ao léu
Ou lambuzando o chão 
De quem a apedreja ao céu.
Pássaros a bicar as polpas
E até o cão chupando manga
Matam de inveja os pobres mortais.
Apetitosas mangas-ouro ou rosa
São assim feitos peitos em riste ao mel
Atiçando os mais aguçados paladares...
E aí eu fico só de cubar, 
De soslaio, a espioná-la, 
Enquanto ficas admirando um balaio 
De mangas espadas,
Toda debruçada, 
Com garras, unhas e dentes, 
Voraz a chupá-las!

sábado, 17 de novembro de 2012

O PERFUME QUE FICA, por João Maria Ludugero




Ora as palavras me inspiram 
Vou direto ao teu jeito de flor
À flor da pele num afago 
Viajo em teu perfume 
Aromatizado, embeveço minha alma 
E sigo incansável num evolar afoito 
A captar no ar a tua essência 
Etéreo me inteiro, recomponho os vãos, 
Antes mesmo que o frasco aberto se evapore 
Antes que o vidro, 
Mesmo vazio, perdure ou se quebre,
Passando a insistir com teus cheiros, 
Não hesito, divago 
Em tua fragrância, consentido, 
Corro dentro do cérebro extasiado, 
Quase como um sopro sobrenatural 
Feito algo assim sagrado 
Dentro do ser belo 
Como um meio sublime 
De comunicação com o divino. 
E de tal sorte, mergulho profundo 
Num voo rasante, sem fadiga
Nem receio de que tua essência exale e acabe, 
Ainda que só me reste um cheiro de jasmim, 
Procuro manter a calma, 
pois bem sei que embalagens servem 
para guardar recheios, 
Frascos guardam perfumes 
E corpos são recheados de alma!

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

VOLÚPIA


Sim, há braços, 
Há pernas para que as quero
Abraços apertados por dentro
Há mãos a acariciar cabelos, pelos, 
Há tranças em cabeças feitas
Ventas de cheirar aromas
Bocas ávidas a desvendar,
A beber com volúpia
Palavras que gritam silenciosas
Quando cais de boca no céu da minha fala
E traduzo a tua língua em chamas
A ascender as velas do meu barco
A acender as velas na penumbra
Quanto me instigas a matar a fome
Num jantar à luz de velas
Desses de tirar o fôlego ao desvelo
Num velejar com noites de sol
Depois de nos expiar a lua nua
Num sensacional banho de prata.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

PRIMA VERA

Brincando, ela me tirava do sério
Chamando-me pra brincar de fugir do tédio 
De correr pela capoeira até chegar ao Vapor,
E escorrer, afoitos a escorregar 
Num banho de bica lá no rio Joca.
Ela moça, linda, morena, brejeira
Cheirando a doce de leite, airosa,
Tão bem vestida de chita, cabrita,
Tão bonita minha prima Vera,
Tão gata, gaiata, manhosa, 
Turbinada, com um decotão 
Desses que valha-me Deus!
Dava  para ver o umbigo de fora
E me deixava de joelhos a rezar, 
Sem pecado nem juízo, contrito, 
Mas, justo eu que nunca fui santo,
Não me cansava de dançar ao vento, assanhado,
Com a brisa na cara, com gosto de ser contente,
A uivar meus sonhos acordados de moleque, 
Louco por roubar um beijo desses de acender
Bundas de vaga-lumes e estrelas,  
Vendo a prima vera solta a cirandar só pra mim,
A pagar peitinho esquerdo, à torta e à direita...
O danado a escapulir e ficar com o bico 
Todo de fora do benevolente decote.
E o sol aureolado, ao lusco-fusco a se deitar na tarde amena,
Enquanto eu, bobo que só vendo, queira acreditar! 
Deleitando-me, doido pra ver aquilo tudo fora do lugar.
E, por derradeiro, meus olhos agradecidos 
Haja vista aquilo tudo ter valido a pena... 
E como valeu a graça de ter perdido a compostura.
Não tem preço nem vergonha essa dádiva.
Só o arrependimento tarde é que perde a validade!

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

MEMÓRIAS DA VÁRZEA: CASINHA DO MATO VERDE



De lá do  sítio do Vapor
Dá pra sentir o cheiro agreste que apraz
Do mato verde que o vento traz 
Da paz na escuta dos sons das folhagens 
E do encanto do bem-te-vi
Do canto do galo-de-campina
Do canto do canário-de-chão 
Que fazem a festa do verde perto 
Anunciando que a vida é simples.
A vida ali caminha devagar
O riacho escorre sem pressa
A abelha faz o mel no riacho do mel
Os anuns catam o gado a pastar
Como quem recebe um cafuné na nuca
Lá não carece de cancelas ou cercas
Nem de tramelas nas janelas
Nem do medo da cuca pegar,
Todos os bichos convivem ao léu
Os cães brincam com os gatos aos sopapos,
As galinhas-de-angola cantam forte 'tô-fraco',
Enquanto abandonam seus ninhos pelo mato
Para outra galinha-mãe de aluguel cuidar da ninhada
Como se fossem seus os pintinhos e os patos...
Tem coisas que só se pode ver de perto
Na casinha verde lá da minha Várzea 
Da inesquecível Joaninha Mulato.

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

ENTRE NÓS DESATADOS



Com os pés no chão, viajo
Deixo o coração ir longe
Giro perto do sol, 
En/girassol/arado
Ilumino pingentes de lua.
Via-lacteado me estrelo no azul
Só pra me achar nas nuvens
Após ganhar o mundo 
Por um beijo teu...
Cometo loucuras no céu
Da tua boca, falo tua língua 
Fluentemente consentido a ler tua alma
Destravo as trevas, acendo chamas,
Muitos afetos trocamos na vida, 
Alegrias e dores bem guardadas
Juras de amor sem segredos, 
Dribles na solidão 
De sermos apenas dois,
Descomposturas e quereres afoitos,
Sem a polícia andar atrás da gente.
Em doces murmúrios de partida
Conforto e alegrias nas chegadas,
Doce deleite em camas separadas.
E assim se vislumbra a felicidade
Ora desatada sobre nós!

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

CABIDES E RABIÇACAS

E dependurado em ideias me inspiro
se miro até onde a vista
do meu eu-menino alcança. 
De danadices de menino, 
o moleque aqui entende de cor; 
posso até dizer prolifera-me 
em mais ser do que ter 
sob os ângulos tangentes do ente adulto 
rente às retas onde o corpo demora, 
até atravessar o arco da velha, de súbito, 
sem cancela ou calos, com sebo nas canelas, 
a distância que em outros me desdobra. 
Ó serelepe da mulinga esse menino afoito, 
que dá rabiçacas nas horas pesadas do tempo 
e logo passa a limpo os ponteiros do relógio, 
sem descuidar de arregaçar as mangas, 
nem cós nem colarinho ali se avia. 
Cá com seus botões, cinge casas, descabido, 
arrematando estripulias, quebrando vidraças, 
arremedando pássaros e abrindo gaiolas, 
girando sóis e a roda do mundo 
e até atirando pedras na lua. 
Sem temer as convenções de compostura 
seu corpo recusa, feito menino agreste, 
a correr solto pelas capoeiras da Várzea, 
e esquece as medidas impostas 
ao homem e a sua hora. 
─ Pouca ou nenhuma serventia 
terá por preocupação, 
pois terá abolido o método e a forma 
que queira pendurá-lo num cabide, 
pois dará rasteira no quebranto, benza-Deus! 
e, teimoso, se levantará novinho em folha!

domingo, 4 de novembro de 2012

O POTE


Eu tenho um coração,
Um pote rachado, que ainda serve
Para guardar água boa de beber,
Potável água fresca: o Amor,
Vertente de uma cacimba na seca
Olho d'água que afasta a sede, 
Nutre e oasismeia-me 
Pelos caminhos desertos
Por onde tenho andado.
É essa água que ainda me sobra
Que umedece o peito recauchutado,
Que mesmo minguada, supre e tem me dado
Alguma vazão que a esperança assopra.
Meu coração, esse pote fantástico,
Assim retocado, de quebra no estio,
Guarda em seu bojo, precioso líquido
Que me dá ânimo quando a mim perpassa.
Néctar divino, líquido sagrado a escorrer na veia,
Que eu não o tenha à míngua por descuido.
Nunca me falte, mesmo sendo salobro e escasso,
Que me poupe a vida de morrer vazio.

sábado, 3 de novembro de 2012

COM AS PENAS DAS TUAS ASAS, por João Maria Ludugero


Confesso:
Escrevo poemas 
até em papel de pão, 
escrevo com giz no chão, 
poemas de dentro,
crio, invento, recrio,
dou corda à alma, recreio.
Com as penas das tuas asas
persigo meu intento, realizo
assim afoito, livre, leve e solto
adivinho a sorte, de sentinela 
ao abrir papel ao vento no realejo...
Escrevo sem laços ou algemas,
sem cabrestos nem celas,
nem gaiolas, fojos ou alçapão.
E por falar em penas, 
ensaio voo rasante 
só pra chegar ao céu 
da tua boca ardente. 
Sei que há pássaros raros 
libertos em meu peito
São assim feito poemas 
abertos num livro divino 
escrito para seres humanos...
Na dança de Deus, canto em êxtase
e tiro Deus pra dançar junto.
Sou a palavra cantada, toada ao luar,
divina cena, espetáculo ao vivo
no palco de mover o mundo
de todos os lados e telas.
Eu faço poemas nas nuvens,
danço com nimbos, 
faço chover e estio.
Danço com a lua e suas pratas, 
louco e lúcido, 
depois de tantos sóis, 
giro o mundo
e ganho o aplauso das estrelas.