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segunda-feira, 5 de maio de 2014

A GAITA DE BOCA DA MENINA DOIDA, por João Maria Ludugero

A GAITA DE BOCA DA MENINA DOIDA,

por João Maria Ludugero

Maria Rita enfeitiça
Qualquer ser vivente que sinta.
Dizem que ela nunca envelhece,
Que faz caretas, estira o maior dos dedos
E até dá ares de graça aos arremedos,
Que mora no mundo da lua nova,
Que é doida de pedra, com cara de meter medo,
Que vive nas nuvens feito uma doida varrida.
Só sei que apesar das chacotas de costume,
Apesar das ofensas, do acinte e dos seixos
Que lhe são atirados, não mais revida,
Ela não mais se prostra, ainda mais se mostra
Toda vez que sai pela tarde amena
Da minha Várzea das acácias,
De saia rodada, de tranças coloridas
Ela tão bem faz à minha cabeça,
Assoprando sua gaita de boca.
É o retrato da própria alegria ambulante
E a rua toda pára só pra ver Maria Rita
Levar a música aos olhos da gente.
De tanto fascínio é sua melodia
Que traz ligeiro ritmo à abundância
De tudo o que não temos. Sem exageros,
E, num átimo de segundo,
Perfuma a alma do vilarejo,
Ao hipnotizar pelos ouvidos com aquela sinfonia.
Na calçada da igreja-matriz de São Pedro apóstolo,
O céu parece chegar mais perto, de certo,
Só por causa do vialejo daquela menina-moça,
Glamourosamente vestida de chita
De flores miúdas, tão pobrezinha,
Mas que deixa a vida do feijão com arroz
Com um gostinho de manjar dos deuses.
Tudo em razão de sua cantiga de encantar,
Que faz a própria tristeza, que era real e grande,
Desmoronar-se junto com as dores da lida,
Que parece tirá-las com a mão, sem demora,
Toda vez que se faz presente com sua gaita mágica.
E a gente só sente os pés no chão
Quando ela some a tocar levando consigo
As almas passantes além das quatro bocas da rua grande,
Dobrando a esquina da bodega de Seu Olival.
O som mágico extraído do pequeno instrumento
Deixa-me flutuar divagando livre mente em imaginações.
Eu vejo tanta poesia jorrando em música.
Sinto-me levitar, ainda entrelaçado pelo som da gaita.
Acorda, menino! Cuidado, senão essa loucura te pega,
Pode deixar-te biruta, do tipo que sai atirando pedra na lua!
O grito lúcido da vida real não me alcança.
Eu me acho longe, a viajar junto, alheado,
Ao encontro daquele divino som que emana
Da boca da Maria Rita, a menina maluca.
E, quando acordo desse sonho, a estas alturas,
Já me pego a caminho de casa, contente da vida,
Ainda embevecido pela tocante magia do vialejo
Que ainda canta dentro do meu peito,
Como se estivesse recém-acordando num domingo
De um sonho bom, ao doce deleite, de súbito,
Que ora faz feitiço
Na cabeça deste poeta menino.

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