DENTRO DA MAIS PURA VARZEANIDADE,
por João Maria Ludugero
Nunca mais esqueci da minha Várzea das acácias.
Todos os meus dias alvorecem em singelas recordações,
a andar, a correr dentro e a voar alto pelas trilhas agrestes
da seara de São Pedro Apóstolo...
E eu, tantas vezes nostálgico, tantas vezes só,
tantas vezes a me ninar ao vapor de Zuquinha,
Eu tantas vezes a ganhar o mundo e voltar ao meu lugar,
minha singela Várzea dos Caicos.
Indesculpavelmente astuto,
Eu, que tantas vezes esvoaço além das quatro-bocas,
a me achar sanhaço só a degustar o formoso mamão maduro
lá no sítio de renovadas esperanças de Dona Tonha de Pepedo.
Elevado a ter paciência para tomar banho no rio Joca,
Eu, que tantas vezes mergulhava no açude do Calango,
ora tenho enrolado os pés nas beldroegas da Vargem
de Ângelo Bezerra...
Que tenho sido João maduro, menino levado da breca,
Que tenho me espairecido ao lembrar da colheita de cajá-manga
lá no Maracujá de Dona Melizinha de Seu Wandick Lopes,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais afoito ainda;
Eu, que tenho sido varzeamado aos vetentes lajedos dos verde-musgados Seixos de dona Santina,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos aos Ariscos de Virgílio Pedro,
a colher balaios de mangas aos carregos, além de cajás, jacas, jatobás, jenipapos, seriguelas, cajus e castanhas.
Eu, que tenho feito versos em relicário de poemas agrestes,
amortecendo as dores do meu coração partido, a marejar meus olhos d'água de saudades,
Eu, que tenho sofrido a angústia por estar longe da terra da inesquecível madrinha Joaninha Mulato,
Eu observo que transbordo o peito em palavras, a exorcizar os bichos encostados .
Quem me dera ouvir de um papa-jerimum a voz do agreste
Que plantasse não um roçado, não um canteiro,
mas renovasse suas esperanças;
Que contasse, não uma estória das vividas por lá,
mas acerca do relicário de São Pedro Apóstolo!
Que me arrepiasse o coração num destemido tô-fraco daqueles de guiné ou
galinha d'Angola, numa afoita cantiga pela seara dos Caicos...
Mas, não, são todos astutos, se os ouço e me falam, passo a andar, correr dentro, a voar alto além das quatro-bocas,
a assanhar até mesmo os pelos da venta, sem medo da cuca esbaforida.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi mesquinho em sua varzeanidade?
Ó varzeanos, meus irmãos,
Arre, nunca fico farto dessas relíquias!
Onde é que há gente dali que não se encante por este lugar?
De fato e por direito, então não sou só eu que esbanja amor por esta terra de Ângelo Bezerra?
Poderia alguém não a ter varzeamado,
Podem ter sido distraídos - mas esquecidos nunca!
E eu, que tenho feito meus poemas, dia-após-dia, entretido em arquivos vivos de memórias,
Como posso eu falar da minha gente varzeana sem varzeamar?
Eu, que venho sido distante, mas meu coração bate mesmo acelerado,
a transbordar de saudades, que chego a ficar de olhos marejados em lusco-fuscantes lembranças
da terra dos mulungus em flores alaranjadas e das canas-caianas e curimbatórias ao Vapor de Zuquinha?
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