Seguidores

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

MEMÓRIAS DA CASA VELHA DO VAPOR

MEMÓRIAS DA CASA VELHA DO VAPOR

Autor: João Maria Ludugero.

No outro lado do rio Joca,
Lá no alto aonde a vista podia alcançar
Estava a casa velha, a casa do Vapor,
Ladeada pelo lindo flamboyant
que dava flores alaranjadas na primavera.
Muitos vasos de gerânios nas janelas,
Algumas espreguiçadeiras de panos de tear coloridos
e redes de algodão espalhadas por todo o alpendre.

E no meio da plantação de sisal
podíamos apreciar belos pavões a cortejar suas fêmeas
ou um bando de gansos e patos a matar a sede
Nos veios d'água que circundavam a velha casa.

Não muito longe dali, do outro lado do curral,
A casa de farinha, de onde provinha o cheiro
de beiju da última fornalha.
E quase sempre um magote de menibos
e meninas a sonhar com seus puxa-puxas,
Com seus confeitos de açúcar mascavo
feitos no pé do forno, no fogo de chão entre a lenha e o tição.

E no centro de tudo, a cantiga alegre
das rapadeiras de mandioca
Com seus lenços amarrados na cabeça,
e o suor a escorrer pelo rosto.
E no tempo, o vento a exalar seus cheiros e manipueiras.


No oitão da casa velha, as trepadeiras
a florescer brincos de princesa.
Na cumeeira, andorinhas que sempre voltam
Espreitadas pelo gato dourado de dona Lourdes.
No fogão a lenha, a chaleira de ferro sob as labaredas
E o cheiro de café a tomar conta do desvão da tarde amena.

No alguidar, a goma fresca, o polvilho
Tudo pronto para a tapioca e os beijus.
E em nossa face a vontade de não sair mais dali.
Ali mesmo na terra da simplicidade, nossa Várzea amada.

E agora só nos resta os restos teimosos dessa saudade
Uma vez que derrubaram a casa velha e suas paredes.
E ali nas ruínas o sol sempre volta a aquecer
A fazer respirar suas lagartixas.

Lá dentro do peito, percorre um vazio, persistente,
ou um ranger de portas empenadas pela ferrugem.
Nada de talheres a tilintar na mesa, só o silêncio.
Só o abafar de suspiros de outros tempos,
ou os gritos amordaçados que não tiveram ecos.

Mas ainda se ouve o canto mavioso
do pintassilgo nas algarobeiras.
E tão só o piar do galo de campina,
E nada de correrias de crianças,
nem mesmo a toada das mulheres
a descascar mandiocas na casa de farinha.
Só resta agora a saudade a nos apanhar,
a nos acompanhar vida a fora, pra sempre.

Ali existiu a casa do Vapor do seu Zuquinha.
Dentro das nossas memórias varzeanas
uma casa ainda habitada
a alimentar as ruínas de um tempo bom
que o vento não leva jamais.

Nenhum comentário:

Postar um comentário