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domingo, 31 de julho de 2011

O BALANÇO

No quintal da minha casa
tem uma velha mangueira frondosa e verde.
Nela há um balanço feito de um pneu usado
há muito tempo dependurado
num braço da árvore
por espessa corrente.
Sempre que sobra tempo,
Eu vou lá a sentar no balanço,
subo, desço e faço um balanço da vida.
Recordo-me de instantes ali vividos,
das pessoas que cresceram comigo
E que tiveram que seguir outros rumos
E de tantas que já não mais voltam,
uma vez que se foram balançar noutro plano.
Eu continuo meu balançar
Pra cima e pra baixo,
Alegre brincando, encantado,
Sem vontade de parar tão cedo.
E assim vou levando a sina,
não com a barriga, mas com a vontade
de fazer bem feito a lida,
conversando cá com versos
que me ajudam a empurrar
meus sonhos desde criança.
E ora adulto não me sinto inválido,
não me canso desse eterno balanço.
E vou vendo esse filme passar,
a sorrir, chorar ou vice-versando,
sem me preocupar com a menção da crítica,
Vou decorando as próximas cenas.
E que venha o sol irradiar seus flashes
sem me furtar as cores
que vão e que vêm a cada capítulo
minha vida toda enfeitar
nesse balanço tão vívido,
de levantar a alma leve e solta,
sem escapulir de mim,
dando-me corpo à liberdade!

quinta-feira, 28 de julho de 2011

ONÍRICO

vertigem
Hoje tive um sonho
estranho num labirinto
desses do tipo pesadelo,
de se lutar com desmantelo
debater consigo mesmo,
de pelejar com toda força  
de só querer acordar, de súbito.
Só Deus sabe como viajei
assim sem rumo
fui bater no cafundó de Judas,
Onde Maria perdeu o mapa e o dote
E, por pouco, quase não acertei 

o caminho de volta.
Isso depois de me valer de todos os credos,
de rezar a varejo, só pra sair inteiro
do tal beco sem saída.
Prendi a respiração,
o ar ficou rarefeito
E foi aí que o vento fez a curva,
entrei na rota do redemoinho
acordei desnudo no chão batido.
Acho que até dormi nos espojadouros,
entrei na baixa da égua
e saí no lombo de  uma vaca atolada,
Só de botas sete-léguas
E com a mão no bolso pelo avesso.
E acredite, não estou de lero,
Acordado, continuei a sonhar.
E, apesar de alguns sonhos que me doem,
outros me chegam bem-aventurados,
E insistem em tomar pé, sem querer se ir.
Se tanto me dói que os sonhos passem,
De certo é porque cada instante 
em mim é verdadeiro, autêntico,
ao buscar um bem definitivo viver,
onde as coisas do Amor se eternizem,
assim juntamente com as cicatrizes
que a vida me tatuou no peito.
E ainda costumo alertar àqueles
que têm medo de sonhar:
o pior da vida é perder os sonhos de vista
– em todos os reais sentidos, 
O mais sagrado da vida 
ainda é botar fé no sonho 
e  nele  acreditar acordado.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

DESAPEGO

Estou aprendendo
A arte de botar o pé no chão,
Movimentar-me e sentir o chão,
Amar sem ser movediço,
Isso me dá vigor, segurança.
Fortaleço as pobres asas
Para que o sol escaldante
Não as acabe derretendo.
Eu não quero ter mais apego
Ao caminhar vadio nem àquela paz
Que as coisas não me dão,
Quero encorajar meus pés
Para um caminho novo,
Sem precisar ser atleta,
Para que meus calcanhares
Me levem a sério,
Me afastem do tédio
E sejam capazes de me conduzir
A outros labirintos.
Careço de afeto e carinho:
Isso me basta. É só.
Eu preciso de sinceros abraços
Não só da carne
Que se entrega
Por um preço baixo,
E tão logo depois se estraga.
Preciso de alguém
Que toque minha alma
E não me deixe a dois, vazio
Feito sobrevivente a divagar por aí,
Mais parecendo a alma depenada
De um vivo-morto.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

MEMÓRIAS DE UM LAR DOCE LAR

Ontem visitei a casa onde cresci,
onde fiz correr tantas alegrias,
onde sentei na mesa
para fazer as lições de casa.
E quantas saudades senti
da mão da minha mãe Maria,
a segurar a minha para fazer o cedilha.
Ela que me ensinou o ato de contrição
E a rezar para o anjo da guarda,
Ela que sempre foi o próprio anjo a nos guardar.
Ela que era a rainha daquele doce lar.
 Tem horas em que até me esqueço
de que ela já partiu para um outro andar.
Eu revi a casa vazia, quase silenciosa,
Um clima estranho, um vão cinzento,
a nostalgia a escorrer pelas paredes nuas
numa última olhada pela sala de jantar
Que agora é tamanha, falta a grande mesa.
A família toda reunida, meu pai, meus irmãos, 
O tilintar da louça, o aroma, a comida.
Quase ouço o vozerio, alarido e festa.
Ora um sentimento de vazio, um arrepio,
muitas lembranças,
sobram-me lágrimas
revela-se amplo silêncio
em cada passo, uma saudade maior.
Lembro-me da casa viva
da sala, do quarto, do jardim.
Quando uma voz me chama à realidade.
É chegada a hora de deixar a casa,
trancar de vez a última porta,
seguir em frente no batente da lida,
adiantar o passo,
sem apagar outras luzes, sem esquecer
Que muito da casa velha,
da sala de estar, da cozinha ao quintal,
da rosa ao jasmim,
muito ainda segue aceso
dentro da vida da gente.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

BALADA PARA UMA VACA LOUCA - ANTES DE SECAREM SUAS TETAS

Se tiver que chorar,
que chore suas lástimas,
entorne suas lágrimas
aos cântaros,
antes que sequem
seus olhos d'água.
Chore de alegria,
se preciso for,
arremede seus mugidos,
estire a língua aos medos,
refaça-se em bocas e caretas
ou desate a tristeza,
pois mesmo depois
do leite derramado,
o importante é pensar
que a vida continua
e a vaca não morreu,
que está viva,
apesar de agora louca,
e segue outras bermas,
após sair do atoleiro do brejo
com as próprias pernas,
só carecendo, de fato, 
não de um empurrãozinho,
mas de ficar sempre alerta
para não escorregar em corte,
na engorda das barras do dia
ou na calada da noite,
ao deleite de outrem,
nas escancaradas mamatas
dos filhos da outra mãe.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

GALA

Ó Varzeaninha, varzeaninha!
Ainda há pouco, não faz muito tempo,
Apurei com meu olfato esta fragrância
Reduzi a temperatura para encorpar,
Arrefeci os ânimos em banho-maria
Até deixei gratinar bem a confiança
Na esperança de te agradar.
Decorei por fim e a preceito,
A travessa em fios de linho,
Manjar dos deuses num leito
Perfeito de temperança e cheiros
À luz de velas e com bom vinho
Experenciamos outras iguarias
Que jamais alguém julgou ser chique
Servidas com elegância em acepipes.
Não me bastou o pitéu do teu manjar,
Mais me aguçou de guloseimas
Teu doce deleite, a gula capital,
Acendendo ainda mais nosso apetite.
Pena que tudo não passou de uma noite,
Pois acordado sonhei tudo isso, em ultraje.
Era só miragem, ao cair em mim, belisquei-me
No espelho dei de cara com outra face,
Desnudo, perdi a fala, toquei no real
De súbito, abri as cortinas da sala.
E, a rigor, até já me esqueci
Que cheguei ao ponto
De te vestir de gala.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

GARATUJAS

Por um acaso, o que dirá o porvir
Como será o próximo passo à frente?
O que nos revelará este espanto compartilhado 
Se já estávamos cada vez mais sós na vida a dois?
De uma vez por todas,
Soltei a minha mão da tua mão.
Botei-a na consciência da palmatória,
Abri o verbo e dei com a língua nos dentes.
Mordi a língua ao me furtar de um último beijo.
Desatei os laços, franzi a testa, desamarrei a cara,
Dei um chega pra lá às desavenças, aos rascunhos
E à tara em querer ser o fiel da balança.  
Dei-te bandeira branca e até reavi a cópia das chaves.
Bastou-nos esse negócio de levar afeto com a barriga.
Por um acaso, o que dirá o porvir
Como será o próximo passo à frente?
O que nos revelará este espanto compartilhado 
Se já estávamos cada vez mais sós na vida a dois?
O que nos terá a dizer este confronto intermitente 
De necessárias perdas e ganhos, de súbito,
Sem valer quanto pesa minha ex-cara metade
Essa escaramuça mal disfarçada de cotidiano?
Esse passo à frente, o que dirá?
Silêncio? Não por falta de vez: voz não faltará. 
Palavras há, mas o que dirão, senão apenas e tão somente
O eco solene de nossas próprias vozes tateando no escuro
O chão movediço para o passo à frente, 
Agarrados com unhas e serpentes, instilando venenos,
E se não é já dispostos na mesa, colocados em rosto, 
Sinto a parede aonde vão se chocar, com frenesi, 
Palavras que me escapolem e invadem sua seara,
E que voltam corrompidas pela garatuja da tua cara.
E, por um acaso, o que o teu rosto declarará?
Quem vai lavar as mãos primeiro,
E de coração na mão, oferecer a outra face
E dar de cara com um novo amor
Porque o velho bateu as botas?
Só sei de uma coisa: Se uma mão leva à outra, 
As duas lavam o rosto, sem xingar a mãe do juiz. 
Se é que lavadas ao juízo estarão limpas de novo,
Ora, pois partamos para o portão à labuta,
Sem fugir aos percalços da raia imposta,
Porque amor não é uma troca de favores!

quinta-feira, 14 de julho de 2011

HORA DE MUDANÇA


E a gente muda de casa
E a gente muda de lugar
E lá se vai a mudança
Sob encomenda
Num caminhão de frete
Vai levando belos sonhos
Pela estrada afora
E outros que ficaram de estepe
Ou se perderam pelo caminho,
Sob o olhar dos curiosos.
E lá se vai a mobília
De mudança pra lá, eira
De mudança pra cá, beira.
É um dia aqui, outro de esperança acolá
E algumas arestas aparadas
E outras xícaras de asas quebradas
E outras velhas histórias arranhadas.
E lá se vai outra vez o guarda-roupa
E as mudas de roupas,
Enquanto o manequim parece o mesmo.
E lá se vão outros vestígios
Dobrados vestidos, outras camisas
E os calçados num pula-pula pingente,
Amontoados seguindo a mala do destino
De recomeçar numa morada nova,
A utilizar os mesmos passos  
Na mudança pra outro espaço.
Mudanças só de lugar,
Pois as mudanças de vida...
Essas continuam amarrotadas,
Acomodadas a desejar cadê,
Como quem espera a ferrugem chegar
A emperrar o interior das catracas.
Estais aguardando o quê
Para usar a roupa de festa,
Vestir de gala a vida que aí te flerta
E a rigor começar os necessários
Desfazimentos pro seu bem?

quarta-feira, 13 de julho de 2011

ESPLENDOR

Ao amanhecer,
Abrace-se mais demorado,
Alongue o corpo e o espírito
Abra-se com as janelas,
Desabotoe-se com as cortinas
E deixe o fascínio do sol entrar
Devagar pelos poros,
Pelas veias, capilares e narinas
Até a sentença das sombras se dissipar
Na presença dessa intensa luz
Que acenderá a aquarela
A iluminar todos os vãos da casa.
Agora, toda iluminada a mente,
Deixe sua vida correr solta,
Parecendo uma criança alada
Com raios de sol em sua trança,
Com o sol a contemplar sua dança
Livre de toda e qualquer amarra,
Ao som de uma solene cantiga 

Que só toca dentro da sua cabeça, 
E que só conduz ao mais completo êxtase!

terça-feira, 12 de julho de 2011

BRINCANDO NAS ESTRELAS

 
Ana princesa,
Eu vi tua face doce
Riscar o céu a luzir
Com toda força
Eu vi tua estrela sorrir
A ganhar o firmamento
Imaginei tantos quereres
Esqueci-me de fazer os três pedidos
Só agradeci ao Deus soberano
Porque te conheci 
Ó, Ana, anjo de luz!
Da paz com a qual nos inundas,
Da luz que de ti emana
A nossa vida precisa!
Venhas, ó menina,
Brincar de alumiar
Anda Luzia,
Vais me ninar os sonhos
E ocupar teu espaço
Animando a ciranda cirandinha
Que agora puxas no céu, 
Ó, alegre Aninha,
Guerreira de luz!

segunda-feira, 11 de julho de 2011

CAFUNÉ

Anoitece sobre ninhos
De folhas secas e gravetos
Anoitece sobre a minha Várzea,
Humilde e bela,
Que me acolhe
Por entre juncos
E flores silvestres.
Onde me refugio
No teu colo quentinho, 
Como um passarinho
No agreste ninho
Do aconchego.
Com teu cafuné, adormeço.
Amanheço revigorado
Feito um colibri 
E Transito entre as flores miúdas
Que tão nobremente
Compõem teu vestido de chita.
E, no meu modesto recreio,
Repleto de violetas, amiúde
Passeio sob a delicada beleza
Do teu olhar que alvorece
Que faz o sol nascer 
Que me acompanha,
Que me dá norte e vice-versa
Quando me beijas, de propósito,
Quando lambuzas de mel a minha boca
Só pra me trazer o céu ao chão.

sábado, 9 de julho de 2011

EM VIA DE CURTUME


De repente, incabíveis meus olhos se abrem
A mirar a inalcançável linha do horizonte
Num bater cadenciado, de súbito,
Acompanho passo a passo
Meus pés na subida do cadafalso.
Observo meu corpo nu no estrado,
Minha alma no tablado

Esticada ao curtume, dilacerada,
Erguida em lugar público para nele

Se expor ou ser executada tal qual condenado
Que segue ao patíbulo, à forca sob o escuro da venda.
Subo ao calvário, a sofrer duras penas,
Após o mundo me lavar as mãos à sorte.
Abro os braços à cruz, sem trégua, suporto
E sinto a dor em cada martelada,
Com o juízo a atingir minhas falanges.
Sigo a rota do destino imposto
Sem perder de vista os percalços
(calejados da vida)
E no rastro do silêncio latente,
Não me esqueço de ouvir o coração
E, mesmo assim cabisbaixo,

Ascendo-me em amor próprio
E aqui estou eu no batente, na lida, de peito aberto.
Todo homem sabe onde quer chegar.
E, de tal modo, acaba se achando,
Caça, caçador ou entre ambos.
Eu estou sempre alerta, na peleja,
Quem sabe novos ventos soprem
E me tragam bons ares à mesa,
A paz necessária a seu tempo
E a mais completa calmaria.
Eu ainda acredito nisso.
Há até quem duvide de que ele exista!
Eu já dobrei o cabo das tormentas.
Eu já queimei a mão por ele.
Tenho cá minhas preciosas cicatrizes.
Até disso aprendi a fazer poesia.
O fardo fica menos enfadonho,
E a carga parece pesar menos,
Quando um amor nos diz: Abra-me!
E a gente o desata em nós,
Parecendo que o presente desaba
Apontando-nos a porta de saída
Como a serventia da casa!
Queira ou não queira, mesmo assim,
Se embora indo, não me arrependo
Do amor vivido.
Mesmo findo, o amor é lindo
E vale a pena ser curtido até o fim,
Por mais que nua e crua a dor
Se entranhe no couro da gente. 

quarta-feira, 6 de julho de 2011

A QUEM MAIS EU PODERIA DOAR MEU CORAÇÃO?

Não temo a lida
Eu acredito na força do braço
Eu pego a trilha entre a planicie e o precipício,
Caminho entre um dia conturbado outro sereno,
Compelindo-me ora ao néctar ora ao veneno,
Entre o autocontrole e o vício.
Eu enfrento meus bichos,
Dou espaço ao deslizar do tempo
Eu me movo disso, e consigo  
Entre as favas contadas e o desperdício,
Entre coisas vastas e as pequenas,
Na escada dos meus erros chego ao pleno,
Vislumbro luz ao final do sacrifício,
E acho paz após o obscuro fim do túnel.
Sigo Deus mas sem seguir doutrinas,
Vejo grandeza nas coisas pequeninas,
Sei que há um escaninho em mim,
Um cofre de guardar gratidão.
Caio, levanto, ergo-me, sacudo a poeira
Choro e sorrio juntando meus pedaços,
Vou correndo os nós, desatando o essencial,
Sem carecer de ir cortando os laços,
Buscando pouco a pouco a perfeição.
Quem sabe um dia eu possa me doar inteiro,
Quem sabe através da poesia que me guarda em vida,
Eu me sinta a salvo, bem encaixado
A bater valente noutro coração. 

BRINCANDO NOS CAMPOS DA VÁRZEA

Ó, Minha Várzea das Acácias,
Deixei contigo o meu amor,
Cantiga de açúcar no meio da tarde amena,
Botões em flor a se abrir nos teus vales,
A vestir teus campos de cores ao Vapor,
E o sol querendo se deitar no açude do Calango,
E a flor do Maracujá a se emaranhar
No teu agreste colo verde.
Mas ainda trago comigo esse amor,
Que me dá brilho ao olhar,
Ao brincar perdido nas lembranças
De outrora que não se dissipam
Apesar da lonjura e do tempo
Em que só tu me consegues guiar,
Minha Várzea amada!
Só me basta recordar do teu sorriso franco
Para me sentir assim maravilhado,
Como se meu coração fizesse festa de contente,
Como se estivesse a jogar bola ali na Vargem,
Sem me preocupar com a hora de voltar pra casa,
Sem esquentar a cabeça com a vida,
Uma vez  que não precisava sair gol.

terça-feira, 5 de julho de 2011

ALI EM SE PLANTANDO TUDO DÁ!

Se avexes não, ó moleque,
Comas logo esse pirão.
Num reclames da sorte,
Passes sebo nas canelas,
Corras lá pelas capoeiras,
Rezes e agradeças a São Pedro.
Esse é o pão que se tem pra hoje,
É o que sustenta meu povo
Seja cabra da peste, mulher de fibra, 
Seja cabra-macho ou fêmea
Seja lá o que for,
Tem que levar fé em Deus,
Mas comer o pão que o diabo amassou.
Minha Várzea é rica dessas coisas!
E ainda se conta com o ovo
No fiofó da galinha caipira
Que vigora ali no agreste.
Há quem diga, sem pensar
Ou tem um pensar torto,
Que a minha casa fica lá
Nos cafundós da caatinga,
No arisco cru do mundo,
Onde Judas perdeu as botas.
Mas com toda modéstia,
Sem vaidade alguma,
Em verdade lhe asseguro:
Ali minha gente vivedeira agrestina 
Não se queixa de ter só isso,
Apesar dos descasos e desvios políticos
E das mamatas dos 'filhos da mãe', da outra.
Eita que terra boa da mulinga!
Lá se pode chorar ou sorrir de contente,
Porque apesar de todas pobrezinhas,
A gente põe mais água no feijão,
Se vira de lado e de banda,
Fisga curimatã, muçum
E de quebra, muitas piabas.
E até mama, mas naqueloutras tetas
Das vacas mochas e das cabritas,
Faz a franga à cabidela,
Ensopado ao molho pardo,
Capricha no feijão de corda e nas favas,
Mistura tudo com farinha pra render,
Faz aquele incrementado baião
De dois ou mais pitéus,
E de sobremesa come tascos de rapadura,
O que dá uma sustância danada
Pra seguir na lida, na labuta
Pra atirar sementes ao solo, cultivar ramas,
Pra trepar no coqueiro catolé, na marra,
Pra amansar o gado no laço,
Pra esperar só com a força do braço,
Pra contar o causo dando espaço ao tempo,
Que segue desapeado da sela na garupa da égua,
Na catraca das horas pendentes dos estribos,
No galopar dos cascos incansáveis
Da minha potranca chamada Vida. 

domingo, 3 de julho de 2011

O PILÃO

Construí minha tapera
Junto ao verde coqueiral
Lá na beira do rio Joca,
Só pra que eu pudesse me lembrar
Das canções de ninar,
Me embalar na rede de algodão,
Ao passo em que, do alpendre,
Eu me pusesse a apreciar a Várzea
Que se alastra no braço
Desse rio de seio lamacento
Que se torna ouro radiante
A escorrer nas promessas do pôr-do-sol.
É nesse instante que me vem à tona
Essas coisas marcantes do meu interior.
E aí não me esqueço de dona Ana Moita,
Benzedeira de mancheia, 
Metendo a mão na massa,
Preparando guloseimas, manjares
Daqueles de dar água na boca dos deuses,
A fazer paçoca de pilão
E grudes de goma e coco
Na palha lustrosa da bananeira.
Recordo-me, bem da velha infância,
Em que minha avó Dalila me levava
Ao beco das rezadeiras
Para afastar quebrantos,
Tirar maus-olhados e ziquiziras.
E ela, dona Ana Moita,
Por entre figas e favas, 
Acenava uns ramos de alfazema,
Arruda, guiné e outras palhas bentas
Que murchavam aos credos e cantos
Na cabeça da gente, a espantar os males.
E o langor desaparecia num piscar de olhos.
E até íngua e espinhela caída
Ela curava nas sete batidas no pilão.
E o beco da reza fervilhava
Do meio-dia às seis da tarde,
Pela intercessão dos santos
Que batiam tambor e ponto,
Curavam males do corpo e da alma,
A fazer o mundo girar com a mulinga
Por simpatias, rezas para descaminhos,
Fechamento de corpos, banhos de cheiro,
Preceitos e ensalmos de toda sorte.